BLOG

Valorização da vida, de janeiro a janeiro

Por Felipe Ferreira, médico voluntário da Clínica Social

Falamos sobre a morte hoje com mais frequência do que se fazia há alguns anos, antes da pandemia. Porém, neste mês de setembro, o mês de prevenção ao suicídio, continuamos ainda dialogando sobre suicídio e o luto dele decorrente de forma restrita. Isso ocorre, possivelmente, pelos estigmas e preconceitos relacionados ao tema.

E é aí que começa nosso primeiro entendimento: o suicídio ocorre porque as pessoas estão em sofrimento e, dentro de seus respectivos contextos, enxergam como única solução não mais existir.

Precisamos tratar a temática dentro da perspectiva do cuidado e promoção da saúde mental como caminhos para aqueles que estão em dificuldades para enxergar quaisquer outras saídas para alívio de seu sofrimento psíquico. 

Um elemento importante para o debate sério sobre a prevenção ao suicídio é ter uma postura comprometida e segura, advinda, principalente, na busca por mais conhecimento e aprofundamento sobre o tema por meio de fontes seguras, éticas e responsáveis. 

Falar sobre prevenção ao suicídio também é cuidar da posvenção e de enlutades. Muitas vezes, o direito à memória lhe é negado, já que em geral, o preconceito e a forma de tratar o suicídio são elementos ceifadores da possibilidade de respeito a essa dor, que é colocada quase como não digna de acolhimento. 

Por isso, se você é uma das pessoas em luto em decorrência de uma perda por suicídio, saiba de uma coisa: a sua dor é legítima, o seu luto merece ser respeitado como qualquer outro e a memória de quem se foi pode ser cultuada e celebrada.

Este texto não é somente um texto para prevenção ao suicídio, mas é também um texto para quem deseja (e merece) viver em paz e com um mínimo de conforto em poder sentir e tolerar a dor de ficar quando uma pessoa decide partir. 

Esta pessoa continua existindo seja na memória, no afeto ou na herança de sua potencialidade para o mundo. E você, como alguém que esteve presente de uma forma ou de outra na história dessa pessoa, também sustenta esta existência que se perpetua, mesmo após a morte.

Contudo, se, neste momento, você se deparou com a escuta de uma narrativa de uma pessoa que você suspeita estar cogitando a possibilidade de cometer suicídio, aqui vão algumas informações elementares:

– Mais de 90% dos casos de tentativas, planejamentos e ideações suicidas estão dentro de algum transtorno mental não diagnosticado e, portanto, buscar um serviço de saúde mental capacitado é essencial (1,2)

– buscar ajuda profissional é fundamental já na SUSPEITA de se estar vivenciando um cenário como este

– o suicídio é sempre multifatorial e existe uma série de outros elementos que concorrem para isso, especialmente, sofrimentos psíquicos ligados a violência racial, de gênero, orientação sexual e de classe. 

– Existem uma série de outros adoecimentos mentais ligados ao uso de substâncias, transtornos de personalidade, transtornos ansiosos, bipolares ou mesmo transtornos alimentares, que podem estar conectados com tentativa e planejamento suicidas

– Toda fala deve ser levada em conta! Frases como: “às vezes eu gostaria de sumir para sempre” ou ” tem dias que penso em dormir e não acordar mais” são exemplos de frases que não podem ser concebidas como uma metáfora e nos convidam a tomar uma atitude ativa em direção a um cuidado em saúde mental. Muitas vezes as pessoas, de fato, podem estar sinalizando um pedido de ajuda sem estarem conscientes disso.

– falar sobre suicídio não incentiva pessoas a cometê-lo. Questionar ativamente, dentro de um contexto seguro – ou seja, dentro de um diálogo com privacidade, com tempo e disponibilidade – é uma boa forma de se prevenir o suicídio. 

– pessoas LGBTQIAPN+ tem um risco maior de ideação e tentativa de suicídio. Ao considerarmos o recorte de pessoas pretas e pardas e a situação de periferia ou marginalidade física dos espaços de saúde e convivência social respeitosa com direitos humanos, o risco de suicídio é ainda maior. (3)

– o uso de substâncias pode ser um fator de risco, pois aumenta a tendência à impulsividade. Portanto, identificar usos abusivos associados aos sinais de sofrimento psíquico intenso é fundamental para se prevenir o suicídio. Substâncias que aumentam a excitabilidade e limitam a capacidade de escolha como álcool, cocaína, crack, anfetamina, ecstasy ou quetamina, por exemplo, podem juntas ou isoladamente potencializar as chances de uma ideação suicida evoluir para um planejamento ou tentativa.

– medicações psiquiátricas, apesar de não serem o único recurso de tratamento, podem ser vistas como uma ferramenta importante para manejo de crises, desde que prescritas por profissionais capacitados em decisão compartilhada com a pessoa.

– o maior fator de risco para o suicídio é uma tentativa prévia. Portanto, lembrar que após ter sobrevivido a uma tentativa de suicídio a pessoa precisa estar em acompanhamento e alerta para gatilhos emocionais que possam trazê-la de volta para este cenário. Por isso, acompanhamento em psicoterapia é elementar para qualquer tipo de sofrimento psíquico na perspectiva de prevenção e resgate de crises

– Pessoas que foram vítimas de violência sexual, física e/ou psicológica precisam ter o dobro de atenção no que se refere a saúde mental, buscando apoio profissional para prevenção de tentativas

– comunidade, convivência social, segurança alimentar, acesso a remuneração digna, acesso a espaços de entretenimento, exercícios físicos e rede de suporte são fundamentais para saúde mental e redução de risco. 

No entanto, sabemos que, infelizmente, vivemos num país racista, misógino, LGBTQIAPN+fóbico, capacitista e violento e o acesso a estes recursos é frequentemente desigual. 

Como nem sempre sabemos quais serviços ou recursos acessar nesses casos, deixamos aqui algumas indicações: 

Serviços públicos como UBS, CRAS, CREAS, CAPS

CVV (Centro de de Valorização a Vida, disque 188 ou https://www.cvv.org.br/

Instituto Vita Alere (https://vitaalere.com.br/

Mapeamento de serviços nacionais e gratuitos para pessoas impactadas ou em luto pelo suicídio (https://posvencaodosuicidio.com.br/)

Neste momento, estamos com a lista de atendimentos em psiquiatria e psicologia em pausa para novos atendimentos, mas qualquer dúvida, podem entrar em contato com clinicasocial@casaum.org. 

Se você é alguém que conhece ou ama uma pessoa que vivenciou ou vivencia esta realidade, lembre-se: você também não está sozinhe! A valorização da vida é diária e nós estamos juntes neste processo, de janeiro a janeiro.

BIBLIOGRAFIA

1 – Prevenção do Comportamento Suicida PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 37, n. 3, pp. 213-220, set./dez. 2006

2 – Botega, N.J. (2014) ‘Comportamento suicida: Epidemiologia’, Psicologia USP, 25(3), pp. 231–236. doi:10.1590/0103-6564d20140004. 

3 – Ciasca, S.V., Hercowitz, A. and Junior, L.A. (2021) Saúde LGBTQIA+: Práticas de Cuidado Transdisciplinar. São Paulo: Manole.

Foto de capa: Reprodução / Emma Rahmani | baseimage

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

Notícias Relacionadas

Siamese lança álbum narrando sua trajetória artística

Romance sáfico nacional traz trama enredada por debate geracional

Literatura Juvenil LGBTQIA+ por 3 autoras nacionais

Outras perspectivas sobre saúde: Casa 1 realiza II Semana de Saúde ...

Mais de 220 pessoas LGBTQIA+ foram eleitas em 2024

Nathalia Bellar lança faixa “Deixa eu Colar” evidencian...

Damas produções faz nova temporada de Senhora X, Senhorita Y em São...

Foto da plenária da Câmara de Recife, tirada de cima com o púlpito no fim da sala.

Entenda o papel dos vereadores na defesa dos direitos LGBTQIA+

Projeto de Lei torna obrigatória criação de casas de acolhimento pa...

Marco Antonio Fera lança clipe sobre as possibilidades de relações ...

Conhecendo mais sobre o movimento e os direitos LGBTI+em 3 livros

Espetáculo de dança e performance ROXA explora identidade de gênero...