“Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego, uma flor
ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo
silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.”
(Drummond)
Por Vanessa Soares, educadora da Casa 1
Foi no ano de 2017 que meus olhos tiveram o primeiro contato com ela. Eu ainda não sabia, mas era como uma viagem no espaço, que faz o corpo flutuar, perdendo as dimensões da realidade que a gravidade de alguma maneira oferece. Eu passei a vê-la em escritas, poesias, esquinas, músicas, o mundo inteiro ao meu redor se revelava em uma comunicação personalizada da minha descoberta interplanetária.
Ali, diante de mim, a cara de mulher, o corpo de mulher, o peito, a bunda e o pau de mulher. Uma anunciação libertadora, o invisível, aquilo que não aprendi dizer, um vocabulário secreto. Segurei no rabo do cometa, viajei nas percepções psicodélicas: eu encontrei Linn da Quebrada!
Desde então meus órgãos se bagunçaram, e orbitei diante de sua obra-pessoa-planeta. Quando o que eu conhecia não dava conta dos encontros, eu andava sem rumo nas ruas do Rio de Janeiro, da praça da Glória até a praça Tiradentes após seu show, do Museu do Mar até a Cinelândia no fim de outra aparição, da Gamboa até dias de sol que se perdem no tempo… Linn da Quebrada é uma dinamite!
Isso aqui é uma imaginação, uma declaração, um chamado!
No lugar que me encontro, deste lado das telas, mesmo sem acompanhar as edições, fui arrastada pela força da declaração de amor, pelo abraço, pelo olhar profundo da experiência de existir para além da realidade de vidro. Coisas belas são difíceis, nossos olhos massacrados pela violência cognitiva proposta pela programação cotidiana não dá conta de capturar as miudezas da beleza, as nuances das cores de sua pele, da pele da outra, das propostas de novos mundos que duas mulheres abraçadas apresentam. Mergulho em tempos incontáveis, banhada na feitiçaria da contradição, amor, amor, amor.
Em que ano estamos? 2017? 2030? 2081? 1990?
Quem pode medir ou calcular o ano exato de nascimento das espécies que desconfiguram o tempo linear e seus alicerces de coerção?
Quantos textos, estudos, palavras, explicações cabem na experiência de atrito da pele?
Quem pode medir a força dos encontros que levam consigo o fundo do mar, as florestas e os subterrâneos de mundos inventados?
Eu chorei dentro do metrô, e na ponta dos meus dedos, no fundo da minha língua, no meu ânus bloqueado pela opressão cristã, eu senti Lina Pereira!
De onde estou vejo, na lateral dessa caixa de imagens mal editadas, as lavas de seu corpo vulcão escorrerem e o calor me leva a dar partida em nossa nave, rumo aos nossos ancestrais lunares.
Me aproximo e falo contigo daqui, do lado cruel e duro que ocupo como espectadora hipnotizada, aguardando o dia em que ali entre o fundo do poço e a profundidade do posso, iremos nos olhar, todas nós, mas enquanto isso eu Danço e Fujo.
Isso é uma promessa, uma declaração, um chamado, um anúncio ou simplesmente nada, porque mesmo que não nasçam, vivem.
Foto de capa: Reprodução