Espetáculo falado em Tupi-potyguara conta a história do primeiro caso de LGBTfobia de uma pessoa nativa documentado no Brasil, no Maranhão, entre 1613-1614. O artista pede ao público que traga uma pena para que, no final da temporada, um manto possa ser criado de forma coletiva.
A peça TYBYRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira, do artista potyguara Juão Nyn, narra o primeiro caso real de LGBTfobia no Brasil, ocorrido entre 1613 e 1614, quando um indígena tupinambá foi morto por soldados franceses, preso à boca de um canhão, após ser acusado de sodomia. O texto, lançado em 2020 pela editora Selo do Burro, ganha o palco do Sesc Avenida Paulista (Av. Paulista, 119 – Bela Vista, São Paulo – SP) entre os dias 7 de março e 6 de abril após ter feito, no ano passado, seis apresentações em aldeias indígenas em São Paulo, por meio do edital FUNARTE Retomada 2023. O espetáculo tem idealização, dramaturgia e atuação do próprio Nyn, direção artística de Renato Carrera e trilha sonora original de Clara Potiguara.
A história do indígena foi registrada no livro “Viagem ao Norte do Brasil – Feita nos anos de 1613 a 1614”, de Frei Yves D’Évreux. Transmitida oralmente em diversos territórios indígenas, foi o antropólogo e ativista LGBT Luiz Mott quem o nomeou Tybyra, termo derivado de “tebiró”, que significa “homossexual passivo”.
O dramaturgo Juão Nyn relata que, ao descobrir essa história, sentiu a necessidade urgente de criar uma obra a partir dela. Sua pesquisa revelou detalhes ainda mais chocantes, como o fato de a identidade do indígena assassinado ser desconhecida, enquanto o nome do responsável por acender o canhão, Caruatapirã, foi registrado.
Diante disso, Nyn decidiu adicionar uma camada narrativa à peça, transformando o algoz em irmão de Tybyra, numa referência à história bíblica de Caim e Abel. O autor explica que gosta de se apropriar de mitologias cristãs para subverter o imaginário, especialmente pelo fato de o cristianismo ter se apropriado de diversas histórias pagãs.
Sobre a encenação
Para dar o tom da peça, a trilha sonora, criada pela artista paraibana Clara Potiguara, está presente em toda a encenação. As músicas são executadas ao vivo por ela – e algumas delas têm letras em Tupi-Potiguara. “Trouxemos ela de João Pessoa justamente para fazer esse trabalho único para a peça. O resultado ficou lindo e foi a estreia dela no teatro”, afirma o diretor.
O cenário confeccionado por Zé Valdir Albuquerque tem fundo e chão vermelhos. O destaque fica para uma IGAÇABA (jarro) de dois metros de altura que se descobre ser uma urna funerária e também a boca do canhão. Tanto os grafismos quanto os figurinos são feitos por Mara Carvalho. Haverá também projeções mapeadas desenvolvidas por Flávio Alziro MSilva.
“Meu teatro se define como contra-colonial, ou seja, tenho o objetivo de utilizar essa linguagem para devolver a dignidade para os corpos, línguas e culturas indígenas. Por isso, este espetáculo não quer servir ao colonizador e é totalmente falado em Tupi-Potiguara – apenas algumas partes têm legenda em português.”, comenta Nyn.
Para Renato Carrera, é simbólico que Tybyra ressurja das cinzas na Avenida Paulista, local que também é palco de violências contra a população LGBTQIAP+. Em 2010, alguns jovens agrediram um homem gay com uma lâmpada. “Queremos dar destaque para essas histórias para que elas não se repitam”, defende.
Manto
Os mantos Tupi faziam parte de rituais coletivos dos povos de mesmo tronco linguístico. Na dramaturgia original TYBYRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira, o autor Juão Nyn propõe que o artista em cena retorne para agradecer ao público vestindo um manto Tupi, em referência à personagem Tupinambá.
Atualmente, a tradição de confeccionar mantos tem sido retomada por artistas indígenas, como Amotara e Célia, ambasTupinambá. Além disso, um dos doze mantos roubados pelos europeus retornou ao Brasil em 2024, ano em que se iniciou a montagem de TYBYRA. Inspirado por esse movimento, o artista potyguara concebeu a ideia de um manto construído coletivamente.
Assim, o público é convidado a levar uma pena, que será incorporada ao manto ao final de cada apresentação. Dessa forma, a peça transforma-se em um espaço de colaboração e resgate cultural, reafirmando a importância desse símbolo ancestral.
Sobre Juão Nyn
Juão Nyn é um multiartista, e a grafia com “y” em “potyguar” destaca sua origem no Rio Grande do Norte. Por outro lado, Clara, responsável pela trilha sonora original do espetáculo, nasceu na Paraíba e assina “potiguara” com “i”. Essa diferença na escrita também reflete a identidade étnica. Juão é militante do Movimento Indígena, como comunicador da APIRN (Articulação dos Povos Indígenas do Rio Grande do Norte), integrante do Coletivo Estopô Balaio de Criação, Memória e Narrativa e vocalista/compositor da banda Androyde Sem Par. Formado em Licenciatura em Teatro pela UFRN, transita há dez anos entre Rio Grande do Norte e São Paulo. Foi Mestre na Escola Livre de Teatro de Santo André no Terreiro Teatro Contracolonyal entre 2022 e 2024.
Escrito por Juão Nyn, o texto TYBYRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira, lançado em 2020 pela editora Selo do Burro, foi um dos contemplados do edital PROAC Dramaturgias de 2019, sendo distribuído para oito aldeias de São Paulo. Na época, também foram vendidos mais de 2 mil exemplares do livro. Durante a temporada no Sesc Avenida Paulista será feito o relançamento, desta vez em português e Tupi-Potiguara e com dois capítulos extras.
Sinopse
Em 1614, em São Luís do Maranhão, Brasil, preso à boca de um canhão, prestes a ser executado por sodomia por soldados franceses, Tybyra, indígena Tupinambá, propaga as últimas palavras, como se depois de relâmpagos, o som dos trovões saíssem de sua boca. Dramaturgia de estreia do artista potyguara Juão Nyn, uma ficção sobre o primeiro caso de LGBTfobia, com um corpo nativo, documentado no país.
Serviço
espetáculo | TYBYRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira
De 7 de março a 6 de abril de 2025. Quinta a sábado, às 20h. Domingo, às 18h. Sessão extra no dia 2 de abril, quarta, às 20h. Sessões com acessibilidade: audiodescrição, 20/3, quinta, às 20h; libras, de 21 a 23/3, sexta a domingo, às 20h.
Local: Arte II (13º andar)
Duração: 60 minutos
Capacidade: 80 pessoas
Classificação indicativa: 16 anos
Ingressos: R$ 50 (inteira), R$ 25 (Meia) e R$ 12 (Credencial plena:). Venda de ingressos online a partir de 18/2, às 17h, e nas bilheterias das unidades a partir de 19/2, às 17h
Foto de capa: Divulgação/ Matheus José Maria