“Ai, meu Deus, eu vou morrer sozinho. Eu sou bom para a tua cama, mas não para o teu lado. Em quem você pensa enquanto me beija? É claro que eu não te amo, mas tentar te esquecer já é lembrar de nós.”
Essas são frases que poderiam ter saído do diário de qualquer adolescente, mas são refrães de Jão. O cantor de 26 anos, que tem conquistado uma legião de fãs, lança agora seu terceiro disco, “Pirata”.
Carregadas de angústia, suas letras, autobiográficas, são de uma sofrência brega e corna. Nas redes sociais, em que Jão viralizou com covers de nomes como Adele e Marília Mendonça, ele provavelmente seria chamado de “emocionado”, uma gíria usada para descrever e rejeitar aquele “match” no Tinder que se apaixona rápido demais.
No streaming, porém, ser emocionado faz sucesso. “Anti-Herói”, seu penúltimo álbum, lançado em 2019, emplacou todas as faixas na lista das mais ouvidas do Spotify. Hoje, Jão tem quase 1,5 milhão de ouvintes mensais na plataforma — distante dos 4 milhões de divas pop como Pabllo Vittar, mas à frente de outros românticos incuráveis como Fábio Jr., que tem 600 mil ouvintes.
Sem shows, sua renda despencou na pandemia, mas, ao lançar singles e fazer parcerias com Anitta, Luísa Sonza e Ivete Sangalo, Jão cresceu. O clipe de “Coringa”, primeiro single de “Pirata”, chegou a ser o vídeo mais visto do YouTube quando foi lançado, em fevereiro.
Agora, ele quer se apresentar em casas de shows com o dobro de capacidade de público, com um cachê, que, na capital paulista, gira em torno de R$ 250 mil, quase o triplo dos R$ 90 mil cobrados antes da pandemia.
O que não falta, ele garante, são fãs dedicados, jovens com entre 18 e 30 anos e mulheres em sua maioria, para cantar a todo pulmão mesmo suas composições mais melancólicas. Não há motivo comercial para ter medo de ser “triste para sempre”, como canta em outro sucesso.
Mas nem sempre foi assim. Ele relembra que, ao assinar com a Universal Music, surgiu a dúvida — será que a indústria, principalmente a rádio, daria espaço para tanta sofrência de um artista iniciante?
“Muitas pessoas diziam o que eu deveria fazer, que tipo de artista deveria ser, que o disco poderia ser mais solar, que desse jeito a rádio não aceitaria”, lembra. “O Brasil precisa muito de cenas. A indústria não liga muito para os artistas individualmente. É uma pedra no nosso caminho.”
De fato, sua música encontra poucos paralelos na cena pop brasileira. Está longe de Anavitória, Melim, Tiago Iorc e de toda a turma que canta o pop “good vibes” e mais longe ainda do pop dançante de Anitta e Pabllo Vittar. Lembra mais nomes de fora, como Sam Smith e Troye Sivan.
Jão até tentou ser alegre. No ano retrasado, fabricou um refrão chiclete e alto astral “você me deixa louquinho/ chorando baixinho/ louquinho de amor”, mas a aposta não tocou nas rádios nem metade do que suas letras mais sofridas, segundo a Playax, uma startup que analisa audiência de músicas. “Era a coisa mais genérica e pastelona possível. Não queria nem promover a música. Aquilo não era eu”, diz.
O cantor resolveu então deixar toda sua tristeza fluir e lançou “Anti-Herói”, escrito a partir do rompimento de um namoro, sem poupar intimidades ou ter medo de ser “emocionado”. A sinceridade e o exagero, ele diz, são inspirados em Cazuza, seu maior ídolo. Mesmo que escreva letras menos cifradas, é dele que Jão procura emprestar até a maneira de segurar o pedestal do microfone.
Vez ou outra, ele põe na televisão shows e entrevistas do ídolo para assistir antes de dormir e vai “anotando tudo mentalmente, porque é assim que se faz”. “Vai soar piegas, mas o que mais gosto é do exagero dele. Gosto de escrever da maneira mais brega possível, com o sentimento mais hiperbólico possível. Gosto de me expressar meio visceralmente”, diz. “Odeio quando vou num show e percebo que o cantor quer estar bem no vídeo.”
Jão, que também se formou publicitário pela Universidade de São Paulo, diz que a inspiração no poeta também se estende ao fazer musical. É romantizado, diz, mas ele gosta de pensar muito, esperar a inspiração chegar antes de ir para o estúdio.
Com Cazuza, ele ainda compartilha perguntas e especulações indiscretas sobre sua sexualidade. Diz nunca ter sido uma questão mal resolvida. Só não queria revelar ao público. Os últimos clipes, carregados de tensão sexual tanto com mulheres quanto com homens, foram esclarecedores, mas, se resta dúvida, a faixa “Meninos e Meninas”, de “Pirata”, deixa clara sua bissexualidade.
“Pirata”, por outro lado, é seu álbum menos exagerado. Não que seja alegre, mas as letras menos amargas e os arranjos eletrônicos disfarçam a tristeza. Dá até para dançar ou tocar numa loja de departamentos. Afinal, se “Anti-Herói” era sobre o término, o novo disco é sobre o recomeço — não só na vida pessoal, mas também na carreira, já que hoje Jão diz levar a música de maneira mais despretensiosa.
Sem abandonar a autoconsciência, é claro. No ano passado mesmo foi convidado para atuar numa série, mas rejeitou a oportunidade. Antes, quer aprender a atuar, planos que já está pondo em prática. Não que a música vá ficar de lado. Ele até pensa no que pode acontecer se um dia alcançar a plenitude, mas lembra que não precisa sofrer por antecedência. “Jão é muito novo. Tem muita merda para fazer. Tem muito material ainda.”
RIBEIRÃO PRETO, SP
Foto de capa: Reprodução/Redes sociais