Por Inácio Saldanha, Agência Diadorim
A bissexualidade corresponde a uma parte da população LGBTQIA+ que não está articulada em redes e movimentos no Brasil. Praticamente não há estudos científicos e debates teóricos sobre o tema. Falar em “bifobia” ainda é uma novidade. Quem sabe tenhamos, um dia, livros e eventos dedicados a pessoas bissexuais.
Essas afirmações ainda podem ser comuns, apesar de equivocadas, mas há pessoas dispostas a mudar isso.
Em 2023, dois eventos nacionais são organizados por redes que atuam com o tema de formas diferentes: o primeiro Encontro Nacional do Movimento Bissexual Brasileiro, realizado em setembro pela Frente Bissexual Brasileira em Brasília, e o segundo Seminário Nacional de Estudos Bissexuais (Senabi), que será realizado pela Rede Brasileira de Estudos sobre Bissexualidade e Monodissidência (Rebim) na Unicamp, em Campinas, entre 6 e 8 de dezembro. Os dois eventos compartilham um selo em alusão aos 20 anos de movimento bi no Brasil.
O marco é um episódio em que foi votada a exclusão da letra B do nome do movimento no Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis, em 2003 – o que provocou a revolta de ativistas bissexuais e impulsionou a formação dos primeiros grupos organizados no Brasil a partir do ano seguinte.
Como várias pesquisas históricas e antropológicas vêm demonstrando, bissexuais estavam presentes no movimento desde, pelo menos, os anos 1970, quando a ênfase na homossexualidade fazia dessa identidade um tema polêmico. No livro “Sopa de Letrinhas?”, publicado pela Garamond em 2005, a ativista e pesquisadora Regina Facchini conta que a adoção da sigla GLBT, no Brasil, na virada do milênio, provocou resistências, dentre outras razões, pela dificuldade em reconhecer bissexuais como sujeitos do movimento.
A Frente Bissexual Brasileira foi criada em 2020, em plena pandemia, após um encontro online de coletivos e ativistas autônomos de diversas partes do país, que decidiram formar uma rede de atuação nacional.
A Rebim é a reformulação de um grupo de estudos criado em Belém do Pará, em 2019, e reúne pesquisadores das cinco regiões do país e de diversas áreas do conhecimento. Longe de serem as primeiras entidades nacionais de bissexuais, elas sucedem o Coletivo Brasileiro de Bissexuais, que foi ativo entre 2005 e 2007 e encerrou suas atividades devido aos recorrentes roubos de vagas de ativistas bissexuais por ativistas gays e lésbicas.
Reconhecer a bissexualidade como uma identidade política e as pessoas bissexuais como sujeitos de direitos permaneceu um desafio que outras gerações de ativistas e coletivos assumiram desde então.
De lá para cá, novos desafios apareceram, entre eles a memória. O selo de 20 anos de movimento bi no Brasil, não por acaso, foi adotado pelos dois primeiros grandes eventos presenciais realizados após a pandemia de Covid-19.
No Encontro Nacional, uma exposição fotográfica reuniu o acervo de coletivos, ativistas e pesquisadores para reafirmar a abrangência, o passado e as conquistas do ativismo bi no Brasil. O recado volta-se para a própria comunidade, afetada por índices alarmantes de isolamento e adoecimento, mas também para fora dela: as pessoas bissexuais existem e também têm uma história.
Ainda em Brasília, um abaixo-assinado de cerca de 100 pessoas encaminhou para a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS) o projeto de lei do Dia Nacional do Orgulho Bissexual. Em vez da data internacional da visibilidade (23 de setembro), o dia estabelecido pelo movimento brasileiro é 26 de setembro, marco do primeiro Festival Bi+, quando a Frente Bissexual Brasileira colocou no ar 7 horas de programação com debates e apresentações artísticas de pessoas bi e pansexuais de todas as regiões do país em 2020. O projeto já está tramitando. Em breve devemos ter um novo capítulo da história para contar.
Foto de capa: Gisela Ramos Viana/Divulgação