Os últimos três episódios da série “Pacto Brutal”, que foram ao ar na última quinta-feira (28), se aprofundam sobre uma das consequências mais importantes do assassinato da atriz Daniella Perez -como o caso remoeu o machismo, a homofobia e o preconceito contra religiões de matriz africana no Brasil dos anos 1990.
Em primeiro lugar, o próprio fato de o corpo da vítima ter sido encontrado num matagal, de uma então pouco adensada Barra da Tijuca, foi usado contra ela. Isso serviu, inclusive, para reforçar a versão de Guilherme de Pádua, um dos condenados pelo crime, que afirmou em juízo que ambos teriam ido até o local ermo para terem uma conversa reservada.
A família de Daniella Perez, vale dizer, nega que a atriz tivesse qualquer caso com o ex-ator e que, portanto, teria ido até o local de sua morte por livre e espontânea vontade. Essa também é a versão que prosperou no julgamento, a de que ela foi emboscada e levada até ali.
Para Tatiana Issa, que dirige a série “Pacto Brutal” com Guto Barra, esse foi um dos desdobramentos mais cruéis do assassinato. “Há várias críticas que a gente traz na série, como a questão da culpabilização da vítima e o papel da imprensa”, diz ela.
Ainda assim, preconceitos não se dirigiram apenas à memória da atriz e se voltaram também aos dois acusados pelo crime, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. A culpa em grande parte é da imprensa da época, dizem os diretores, muito embora a série documental também gaste uns bons minutos explorando aspectos que são mais laterais.
É o caso de quando o seriado resolve se debruçar sobre o passado dos condenados, com detalhes picantes que tinham feito a festa do jornalismo sensacionalista dos anos 1990.
Guilherme de Pádua é pintado como um carreirista que causava confusão já nos bastidores de “Blue Jeans”, musical que causou um estouro na virada dos anos 1980 para os 1990 com sua história sobre michês.
Wolf Maya, diretor do espetáculo, fala em “Pacto Brutal” de como conheceu o jovem vindo de Belo Horizonte numa moto. Fábio Assunção, que estava no elenco, se recorda de um soco cênico que o ator acabou desferindo de verdade.
Antes de entrar na Globo, Guilherme de Pádua faria um papel semelhante de garoto de programa em “Via Appia”, filme alemão sobre o submundo da prostituição masculina nas saunas de Copacabana, e participaria do show de strip-tease que a travesti Eloína dos Leopardos mantinha na Galeria Alaska, conhecido point gay no bairro da zona sul carioca.
Já Paula Thomaz é pintada como uma encrenqueira que já havia brigado por ciúmes do marido na Galeria Alaska e que idolatrava entidades místicas que estariam por trás de um suposto sacrifício ritual do qual Daniella Perez foi vítima. Não à toa, diz a série, amparada por uma ocultista, ela morreu em noite de lua nova.
É fato que Guilherme de Pádua havia declarado ter um guia espiritual e que um exame constatou que as perfurações no corpo da atriz indicavam o uso de um punhal, nunca encontrado, e não de tesoura, como argumentado pelos réus. Mas fica a dúvida se trazer à luz dados como esse não diz mais respeito a preconceitos do que ao que de fato fizeram com Daniella Perez.
Bernardo Braga Pasqualette, autor de uma biografia da atriz ainda em finalização, diz que “é injusto fazer associações entre a vida dos acusados e o assassinato”. “As pessoas têm de responder pelo que fizeram e não por outras coisas”, diz, acrescentando que homofobia, dirigida a Pádua, sexismo, a Thomaz, e preconceito contra religiões de matriz africana, dirigido a ambos, sempre pairaram em torno do caso.
“Houve uma espetacularização do passado deles”, conclui o pesquisador, que terá seu “Daniella Perez: Biografia, Crime e Justiça” publicado pela editora Record em breve.
De toda forma, dizem os diretores, algum tipo de pacto entre o casal condenado havia. “As tatuagens genitais eram um indício”, diz Tatiana Issa, se referindo ao laudo que constatou que Pádua havia tatuado o nome de Thomaz em seu pênis, e que ela tatuou o nome dele em sua vulva.
Por Guilherme Genestreti
SÃO PAULO, SP
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