A cantora carioca Zélia Duncan, 56, decidiu transformar em música as dúvidas e dores do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. O resultado é o álbum “Pelespírito”, lançado dia 21 de maio em todas as plataformas digitais, para comemorar os 40 anos de carreira da artista.
“Após um ano e pouco, temos experiência com esse sofrimento. Só que ele está virando música, livro, quadro, coreografia, peça teatral. E é isso que nós, artistas, temos que produzir e inventar todo dia. No meu caso, isso virou muitas coisas e uma delas é esse álbum, absolutamente especial para mim”.
Com 15 músicas inéditas, o disco foi totalmente gravado durante a quarentena e à distância. Zélia compôs e gravou no seu computador, na casa onde mora desde o ano passado com a namorada, em São Paulo. O poeta e produtor pernambucano Juliano Holanda, parceiro nas composições, estava no Recife.
A cantora diz que o maior desafio na produção do disco foi “resolver gravar a própria voz”. Ela conta que usou um “laptop velhinho”, uma interface de áudio e um microfone para a captação, sempre em contato virtual com o parceiro Juliano Holanda e Webster Santos, que assina a produção musical.
“[Gravar em casa] é uma coisa que eu nunca tinha feito. A maior parte das coisas, eu não sei fazer, mas eu consigo me gravar hoje, consigo até regravar uma coisa ou outra, consigo fazer um vocal. Falei [brincando] para os meninos que é um perigo porque eu aprendi a gravar e agora eu estou adorando”.
A artista revela que ouviu pela primeira vez as músicas muitos meses depois, em um estúdio, quando o álbum estava ficando pronto e chorou de emoção com o resultado. Ela tinha combinado com a gravadora Universal que, se alguma voz estivesse tecnicamente ruim, regravaria, mas nenhuma foi refeita.
A música “Pelespírito”, que dá nome ao disco, é um neologismo da junção das palavras pele e espírito. A cantora diz que a letra foi feita de uma vez, de “sopetão”, e tenta descrever exatamente como ela estava se sentindo “nestes tempos de vazio, de peso e desejo de ficar leve”. Ela afirma que nunca mais vai conseguir separar as duas palavras e que isso criou uma identidade para o disco.
“Escrevi a letra e quando fui passar para o computador tive vontade de juntar as palavras, não compus com elas coladas. Mas quando juntei, escrevi para o meu parceiro Juliano, imediatamente, e falei: ‘acho que o trabalho vai se chamar Pelespírito’. Ficamos muito tocados, é uma música extremamente emocional, o disco é todo emocional”.
Para a namorada, a diretora de arte Flávia Soares, a cantora escreveu “Nossas Coisinhas” e diz que precisava agradecer à companheira que cuida dela e está sempre ao seu lado. “Essa é uma faixa em que eu toco violão sozinha. Os meninos acharam que a melhor tradução para ela era essa. Ela emociona as pessoas, é muito amorosa. A gente ama essa música”.
A faixa “Você Rainha” a cantora compôs para as mulheres que sofrem violência doméstica, àquelas que morreram e para as que ainda estão trancadas em casa com seus algozes na pandemia. Ela diz que se descobriu militante e ativista quando começou a ler mais sobre o assunto.
“Você começa a descobrir que perto de você tem várias pessoas, amigas, conhecidas, que passam por isso, sofrem violência física e algumas morrem mesmo. Você vê o índice [de violência doméstica] do Brasil e fica tão envergonhado. Eu, como mulher, fico tão envergonhada”.
“O que essa música diz no final das contas é que você é uma rainha, por mais que te botem para baixo, você é a rainha da sua vida, você tem que tomar as rédeas como der e saber que não está só, pedir ajuda quando possível”, completa a cantora.
Zélia diz que a música terá um videoclipe com vídeos de mulheres comuns, feito por elas mesmas e que vai emocionar a todos. “A gente vai ter mulheres muito diferentes fazendo coisas simples, como elas querem se ver. Vai rolar um clipe dessa música que vai me emocionar muito”.
A turnê do novo disco e de celebração dos 40 anos de carreira, no entanto, vai ter que ficar para depois da pandemia. “Estou muito feliz de estar comemorando com coisas novas e tentando suprir o que na verdade nunca vai ser suprido, que é a falta do público. É como se eu tivesse alimentado o nosso reencontro, eu não sei o dia que vai ser”.
A cantora afirma que o novo álbum quer encontrar o público e, se o jeito que tem agora é o virtual, vai fazer o máximo para acontecer. Mas ela admite que a parte mais difícil é que mesmo as lives que faz acabam levando ao que ela define como um abismo.
“Depois de cada canção, é um abismo. Você volta e começa a próxima [música] para cair no abismo, porque a gente está longe do que define a nossa profissão que é o encontro”, enfatiza.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Foto de capa: Divulgação/GAL OPPID