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Justiça do Japão considera inconstitucional barrar casamento homoafetivo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Um tribunal japonês decidiu, nesta quarta-feira (17), que a proibição de casamentos entre pessoas do mesmo sexo é inconstitucional, estabelecendo um precedente jurídico no único país do G7, o grupo das principais economias do mundo, que ainda não reconhece plenamente os direitos da união homoafetiva.

A decisão foi a resposta a uma ação movida por dois casais de homens e um de mulheres que pediam ao governo japonês uma indenização de 1 milhão de ienes (R$ 51,5 mil) pelo sofrimento que passaram ao não poderem oficializar suas uniões.

O pedido de compensação financeira foi rejeitado, mas a Justiça fez uma importante ressalva. “A orientação sexual não pode ser mudada ou selecionada pela vontade de uma pessoa”, diz o veredito do tribunal de Sapporo. “É um tratamento discriminatório que eles não possam receber nem mesmo alguns dos benefícios legais que os heterossexuais recebem.”

Após o anúncio da decisão, os autores da ação e seus apoiadores exibiram bandeiras e faixas com as cores do arco-íris na frente do tribunal.

“Primeiro fiquei um pouco decepcionado ao ouvir a palavra ‘rejeitado’ na leitura do veredito”, afirmou Ryosuke Kunimi, um dos demandantes. “Mas depois não consegui conter as lágrimas. O tribunal examinou sinceramente nosso problema, e acredito que tomou uma boa decisão.”

Uma nova lei ainda precisará ser aprovada para que o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo de fato possa acontecer no Japão, mas a decisão desta quarta foi considerada uma vitória simbólica para os direitos das pessoas LGBT.

Os ativistas reconhecem que pode levar algum tempo até que o Japão, um país socialmente conservador, esteja mais aberto às demandas dessa comunidade. O advogado dos demandantes, porém, classificou a decisão como “revolucionária” e instou os parlamentares a trabalharem para aprovar um projeto mais abrangente.

“Seu valor é absolutamente imensurável”, disse Gon Matsunaka, diretor do grupo ativista Marriage for All Japan. “Até a decisão ser anunciada, não sabíamos que era isso que obteríamos e estou muito feliz.”

Embora a lei japonesa seja considerada relativamente liberal se comparada aos padrões de outros países asiáticos, a comunidade LGBT foi mantida praticamente invisível.

De acordo com as regras atuais, duas pessoas do mesmo sexo não podem se casar legalmente, não podem herdar os bens de seus parceiros e não têm direitos parentais sobre os filhos de seus parceiro.

Em algumas municipalidades, alguns casais conseguem emitir um certificado semelhante ao de união estável que lhes permite, por exemplo, alugar um imóvel juntos e ter direito a visitação em hospitais. Esses documentos, no entanto, não conferem os mesmos direitos legais plenos desfrutados por casais heterossexuais.

Casos semelhantes aos dos três casais de Sapporo estão sendo avaliados em outros quatro tribunais japoneses, e a decisão desta quarta pode influenciar diretamente nesses processos.

“Vivemos a mesma vida que os heterossexuais, temos os mesmos problemas e as mesmas alegrias”, disse uma dos demandantes, uma mulher identificada nos autos apenas pela inicial E. “Embora nossas vidas sejam exatamente iguais, a nação não reconhece isso.”

Katsunobu Kato, chefe de gabinete do primeiro-ministro Yoshihide Suga, disse em entrevista coletiva que não leu a decisão judicial em detalhes, mas que o governo “observaria cuidadosamente” os resultados deste e de outros processos similares.

A sociedade japonesa já foi mais tolerante com a homossexualidade, como demonstram documentos que mencionam homens samurais que mantinham relações entre si. À medida que o arquipélago se abriu para o mundo na segunda metade do século 19, porém, os preconceitos ocidentais se estabeleceram no país.

Mas as opiniões estão mudando. Uma pesquisa publicada em novembro pelo jornal conservador Yomiuri mostrou que 61% dos japoneses são favoráveis ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto 37% são contrários.

Embora a relação homossexual tenha deixado de ser considerada um crime no Japão desde 1880, o estigma a que podem ser submetidos leva muitos LGBT a não assumirem sua sexualidade, nem mesmo para suas famílias.

A decisão desta quarta ocorre dois dias após um anúncio feito pelo Vaticano que proíbe padres e outros ministros da Igreja Católica de abençoarem uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Segundo um órgão doutrinário, qualquer tipo de relacionamento que não esteja baseado na “união indissolúvel de um homem e uma mulher” não pode receber um aval da igreja, porque “Deus não pode abençoar o pecado”.

O ano de 2020 trouxe progressos consideráveis em termos de proteção legal para pessoas LGBT, mas a relação entre pessoas do mesmo sexo ainda é considerada um crime em 69 países, de acordo com o principal relatório mundial sobre o tema, divulgado anualmente pela ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais).

Ser homossexual no Brasil deixou de ser crime em 1831. Antes disso, ainda vigia a lei colonial segundo a qual quem cometesse “o pecado da sodomia” deveria ser “queimado e feito por fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória”.

O casamento civil entre pessoas de mesmo sexo foi autorizado após uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2011 e de uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de 2013.

Foto de Capa: Reprodução/ Câmara LGBT

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