Por Jheniffer Ribeiro e Vivian Nascimento
Em 2020 e 2021, apenas cinco universidades públicas brasileiras destinaram cotas para o ingresso de pessoas transexuais e travestis na graduação. Os dados produzidos pelo GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa) também mostram que, no mesmo período, o número de vagas disponíveis para esse grupo caiu de 478, em 2020, para 98, em 2021. A queda de quase 80% pode ser explicada pela concentração da oferta em uma única universidade.
Em 2020, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) foi responsável pelo maior número de vagas destinadas a pessoas trans, 123 via SISU e 223 via vestibular próprio, um total de 346, o que representa 72% da oferta em 2020. Já em 2021, a mesma universidade foi a que menos disponibilizou vagas para este grupo, apenas 2 no total, destinadas ao curso de Música, pelo SISU.
No período analisado, a região Nordeste concentrou o maior número de vagas disponíveis para pessoas trans. Das cinco universidades que promovem políticas de ação afirmativa para essa população, três estão localizadas no estado da Bahia (UNEB, UFSB e UEFS). Em seguida, a região Sudeste com o estado de São Paulo (UFABC) e, por último, a região norte, com o Amapá (UEAP). As regiões sul e centro-oeste são as únicas onde não foram identificadas políticas de ação afirmativa para o ingresso de pessoas trans na graduação.
A relação entre concentração de vagas em determinada universidade ou região e a baixa oferta de vagas disponíveis, bem como a oscilação desses números pode ser explicada pela inexistência de um projeto de lei federal que contemple a população transexual e travesti. A chamada “Lei de Cotas”, N° 12.711, promulgada em 2012, garante a reserva de 50% das vagas nas universidades e instituições federais de ensino técnico de nível médio para pretos, pardos e indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escola pública. A decisão por adotar ou não políticas de ações afirmativas que contemple outros grupos minorizados fica a critério das próprias universidades.
De acordo com pesquisa elaborada pelo GEMAA em 2021, pessoas trans eram menos de 0,3% do corpo discente das universidades federais em 2018. Naquele ano, nenhuma universidade ofertava vagas para esse grupo especificamente, o que passou a ser feito em 2019.
A adoção da reserva de vagas para pessoas trans e travestis por algumas universidades representa, em certa medida, um avanço para a mitigação das profundas desigualdades que acometem esse grupo, mas a presença e a permanência dessas pessoas nos espaços acadêmicos ainda é bastante escassa.
Um dos grandes desafios para a construção de trajetórias exitosas no ambiente acadêmico é a falta de recursos financeiros. Em 2018, 76% das pessoas trans que estudavam em universidades federais estavam em situação de vulnerabilidade econômica, ou seja, tinham rendimento mensal de até 1,5 salário mínimo per capita.
Nesse sentido, além de garantir o acesso das pessoas trans e travestis às universidades públicas, é necessário que a permanência delas seja assegurada, com a adoção de políticas de assistência estudantil, como as que passaram a ser implementadas a partir do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), em 2008. O objetivo do PNAES é garantir que discentes possam superar dificuldades de acesso, permanência e êxito nas instituições de ensino, por meio de programas de benefícios sociais específicos e de acompanhamento do aluno.
Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), pessoas trans, quando conseguem acessar a universidade, encontram diversas dificuldades associadas às suas identidades e expressão de gênero, bem como a fatores sociais e econômicos. Das 5 universidades que reservam vagas para pessoas trans e travestis, apenas 3 – UFABC, UFSB e UNEB – oferecem algum tipo de assistência estudantil específica para essa população.
Em 2018, a UFABC criou o regimento da Comissão Especial para Pessoas Transgêneras, Transexuais e Travestis (CEPT), aprovado em fevereiro de 2023. A UFSB oferece a Bolsa de Auxílio à Permanência – Vivências Trans e a Cartilha Nacional de Serviços Públicos de Saúde para a Pessoa Trans. Já a UNEB tem o Programa Afirmativa, que visa conceder bolsas de pesquisa e extensão a alunos cotistas, além de disponibilizar cartilhas voltadas para docentes.
É necessário aumentar o número de vagas destinadas à população trans através da construção de políticas de ação afirmativa em escala nacional, mas é urgente que se pense formas efetivas de permanência, destinadas a esse grupo nos espaços da universidade.
Foto de capa: Tomaz Silva/ Agência Brasil
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