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[ENTREVISTA] Duda Dello Russo: “Eu não era a mais bonita mas sabia fazer uma edição babado, o que postar e o que falar”

Por Thais Eloy, produtora de conteúdo freelancer da Casa 1

Eduardo Oliveira Junior, idealizador da drag queen Duda Dello Russo, já trabalhou como DJ e produtor de festas na Rua Augusta. Hoje, criador de três podcasts de sucesso, continua entretendo as pessoas enquanto as boates ainda não podem ser reabertas. “Agora entendo que minha profissão é podcaster. É muito engraçado falar isso porque nunca na minha vida imaginei que essa seria a minha profissão e é isso que paga meu aluguel, que paga a minha vida”.

Com uma forte presença nas redes sociais, o paulistano também falou sobre a relação com o seu corpo e a prática do pole dance, sua coleção de vinis e sua opinião sobre festas clandestinas.

Na Duda podemos acompanhar um amadurecimento estético ao longo dos anos, nesse tempo o que amadureceu no Eduardo nas questões sociais?

Tudo. Absolutamente tudo. Eu comecei a me montar quando tinha 17 para 18 anos. Acho que falei muita besteira. Muita coisa errada. E todo o dia a gente vai aprendendo uma coisa nova, conhecendo outras pessoas, vivenciando outros lugares. Cada dia é um aprendizado. Com certeza não aprendi tudo que tenho para aprender, provavelmente ainda tô falando merda, mas tendo aprender mais, todo o dia mais.

De quando comecei a fazer drag pra cá, muita coisa mudou. Tanto na drag quanto no Eduardo. Fui conhecendo pessoas diferentes que abriram minha cabeça para muita coisa. E tenho várias fases de drag também. No começo eu me montava para um propósito, no meio do caminho encontrei outro propósito e agora tô totalmente em outro caminho, sabe?

Você já trabalhou como DJ e produtor de festas, isso influenciou o seu interesse musical?

Eu já tinha interesse antes. Desde que comecei a ir para boate com os meus 16 anos, com RG falso, já adorava essa coisa da sequência musical, da pessoa escolher o que ela vai tocar para segurar as pessoas na pista e tudo mais. E eu, modéstia a parte, sempre achei que tinha um gosto musical maravilhoso e que a sociedade deveria também escutar o que eu escuto (ri).

Quando comecei a me montar percebi que não era bonito o suficiente para ficar na porta. Também não sabia dançar para fazer uma performance. Foi no mata-mata. O que sobrou foi tocar. E aí uma amiga me ensinou “você dá play aqui e ali”, “ah, é isso?”, “sim, é isso, querida”. Obviamente não era só isso, mas ela me explicou o básico do básico e eu me joguei, e meio que começou a rolar.

As pessoas começaram a me chamar e comecei a me profissionalizar porque achava isso muito importante isso. Eu via que as pessoas não levavam a sério. [Os contratantes] não queriam pagar, não tinham um valor fixo. Às vezes nem tinham valor. Comecei a me profissionalizar e foi meio que um juntando com o outro. Nunca pensei em ser DJ, em ser produtor de festa. Foi meio que uma coisa levando a outra.

E a coleção de vinis?

Isso é uma coisa mais recente, tem mais ou menos um ano. Sempre fui muito ligado à mídia física, coleciono até hoje alguns CDs. Tenho algumas coisas com a plataforma de stream, o áudio fica meio comprimido, não tem todas as músicas do catálogo, principalmente de artista nacional e eu sempre fui a bicha SESC. Saiu o calendário de shows, já via o dia que tinha para comprar ingresso e tudo o mais. Sempre que eu ia no show comprava o CD também. Guardo ingressos dos shows até hoje.

Quando começou a quarentena, eu peguei essa coisa de comprar mais a mídia física. Não sei o que me deu. Eu percebi que a classe artística ficou muito abalada, né? Senti essa necessidade de comprar as coisas da loja dos artistas porque eles não tinham show nem nada. E aí toda vez que pipocava alguma coisa eu ia comprar e quando menos vi a fatura do cartão tava só vinil e CD.

No seu episódio individual do podcast Santíssima Trindade das Perucas você fala sobre o início da quarentena, e até um reagendamento de um episódio ao vivo. Quais são seus pensamentos sobre esse cenário quase onze meses depois?

Ai, muito difícil. Não posso nem ouvir esse episódio porque eu fico engatilhado (ri). Ali no começo realmente acreditava que seria uma coisa muito rápida, coisa de três, quatro meses. Chegamos a reagendar a data e ficamos no “vai dar certo” e agora não tenho mais essa perspectiva. Jamais agendaria uma data agora, não rola. Só vou me tranquilizar quando as pessoas tomarem não só a primeira, mas a segunda dose da vacina e tiver estabilizado, aí consigo pensar de volta nisso. No começo fiquei muito abalado mesmo, achei que ia ser uma coisa muito rápida, aí corri para reagendar e fazer dar certo.

Podcast é superlegal de fazer, adoro gravar com as meninas mas preciso ver as pessoas que escutam. Eu sei os números, eu sei até que momento as pessoas escutam, onde elas pausam. Eu sei tudo isso, mas preciso ver essas pessoas. Preciso ver elas falando que escutam o podcast porque isso muda muita coisa. Recebo muita mensagem, mas quando você olha no olho da pessoa é outra coisa. Receber um abraço é uma outra troca.

Falando em quarentena, qual é a sua opinião sobre as festas clandestinas?

Eu acho podre. Podre, podre, podre. Não tem outra palavra. Me convidaram não uma, mas duas, três, quatro, cinco vezes. Já foram muitos convites para tocar em festas clandestinas e toda vez que aparece é uma torta de climão para mim porque acho um absurdo mesmo.

Acho muito triste também todo esse cenário, como muitas boates fecharam. Eu passei por várias aqui em São Paulo que fecharam e acho extremamente triste. E todo dia, toda semana, fecha uma nova. Essa semana foi a Cantho que fechou. A Cantho tem 15 anos de boate, é um lugar que trabalhei muito, teve até o final da Academia de Drags lá. Tem tantas coisas envolvidas e tanta boate que fechou também. Na Augusta várias [fecharam], inclusive uma que trabalhei três anos com carteira registrada.

Vários lugares fecharam, é muito triste o que tá acontecendo, mas o que acontece nessas festas é falta de respeito, é falta de ética. Já trabalhei muito tempo em boate e você tem que pagar o Ecad, que é o direito autoral da música. O direito autoral mensal é muito caro e essas festas não pagam o Ecad, não pagam aluguel fixo, não pagam funcionário registrado e nenhum direito trabalhista. Tem toda essa problemática de falta de direito trabalhista, falta de direito musical que pra mim são coisas muito importantes. Muitas coisas envolvidas, mas acho que, primeiramente, é a falta de consciência com o próximo. Para mim não é só podre quem faz, é podre quem vai também. É péssimo.

Como é feita a escolha dos temas para os podcasts Santíssima Trindade das Perucas e o Disk Bicha?

Olha, no começo a gente sentava e ficava pautando, meio que trocando informação todo mundo e chegando em um assunto, mas isso durou bem pouco. Acho que uns dez episódios ou um pouco mais. Quando começou a quarentena e começamos a gravar cada uma da sua casa, eu consegui me organizar e peguei o roteiro para a gente seguir um fio durante o episódio. Já faz um bom tempo que peguei essa frente e tô amando isso de escolher o tema, chamar os convidados, alinhar o horário e fazer toda essa pesquisa de como vai ser o episódio.

Me formei em moda no ano passado, mas tenho gostado muito dessa parte de redação, publicidade e comunicação no geral. Tenho gostado muito. Esse último podcast que lancei do BBB [Big Bicha Brasil], foi uma coisa de três dias. Em três dias a gente colocou no ar. Escreveu, gravou, editou e fez a arte. Foi meio que uma missão impossível na minha cabeça. Pensei “puts, acho que eu consigo? vamos ver se eu consigo?” e rolou. Me desafiei e deu certo.

E como é conciliar as gravações e a edição de três podcasts?

Nunca tinha tentado edição, comecei nesse do BBB e tá rolando. Mas eu não me deixo ficar louca, sabe? Por mais que tenha três podcasts, eu tenho meio que uma regra, praticamente nunca gravo de final de semana, consegui colocar essa regra. Elas [as outras participantes dos podcasts] adoravam gravar de final de semana, até que falei “gente, não vou gravar sábado e domingo”. Sábado e domingo uso para descansar, limpar minha casa e fazer comida. Tenho de segunda a sexta, não tem horário fixo, mas tento manter em horário comercial e não me deixo ficar louco não. Sábado e domingo eu tiro para o meu descanso.

É babado conciliar os três podcasts, conciliar horário de todo mundo. O mais difícil é conciliar horário. O meu horário é o de menos, mas conciliar o de todo mundo para conseguir gravar os três é babado.

Você tem uma forte presença digital, quando percebeu que isso seria um diferencial na sua carreira como drag?

Menina, eu sou velha, vim do Blogspot e do WordPress, já tive muito blog de moda. Acho que lá em 2010 ou 2009, quando aquelas blogueiras de Look do Dia começaram a aparecer eu já era vacinado. Tive uns três blogs, cobri São Paulo Fashion Week, Casa de Criadores, essas coisas. Toda semana de moda eu ia e adorava.

Sempre gostei de produzir conteúdo, entender o que está acontecendo nas redes sociais. Quando chegou a drag eu percebi que não sabia me maquiar e que eu não era bonita. Eu entendia essas coisas mas, também entendia como a internet funcionava, sabia o horário que uma foto ia bombar, como comunicar e o que postar. Sabe aquelas frases que você vê no Twitter e sabe que em cinco minutos ela viraliza? Sempre gostei de olhar para a internet desse jeito então, para mim, foi muito fácil. Quando comecei a me montar sabia que não era bonita, então tinha que me vender. Precisava me vender para começar a trabalhar como drag.

Eu não era a mais bonita mas, sabia fazer uma edição babado, o que postar e o que falar. Isso foi tomando forma no Facebook, depois no Instagram e agora com o podcast. O podcast também foi uma mídia que olhei e pensei “Não tem nenhuma drag aqui, talvez esse seja o timing de fazer o podcast nesse formato, porque não tem ninguém ainda fazendo”. Sempre tive que manter esse olhar.

Praticar pole dance mudou a sua relação com o seu corpo?

Toda. Eu fui a criança sanfona, aquela que em um mês tá com 30kg e no outro ela tá com 60kg. Isso se tornou uma coisa muito, muito recorrente na minha vida. Às vezes fico vendo as fotos de família, e é babado. Tem foto que estou quase magrelo e, em outra, já estou com 60kg e nunca foi uma coisa bem resolvida na minha cabeça.

Depois que me entendi enquanto gay, comecei a ir para a balada e tudo o mais, foi pegando um pouco mais embaixo. Fui vendo as experiências dos meus amigos acontecerem muito mais rápido. Demorei muito para beijar na boca, para transar e, quando eu entendi que era uma questão ligada ao meu corpo e como as pessoas me enxergavam, começou a pegar ainda mais embaixo e comecei a ficar mal.

O pole dance veio muito para me ajudar a olhar no espelho e realmente olhar o meu corpo, que era uma coisa que eu sempre fugia. Olhar o meu corpo e ver como ele é, entender como ele é e quais são as proporções desse corpo.

Quando fui fazer o pole dance, no início, fazia a aula de roupa, aí meu professor falou “Tira a roupa, fica só de sunga” e eu falei “Jamais, tá doida”. Eu estava em uma escola que era um ambiente super acolhedor e isso foi me ajudando, a cada semana ia tirando uma peça de roupa e foi me ajudando muito mesmo. O Maravilhosas Corpo de Baile [escola de pole dance e dança em São Paulo] é um lugar incrível que tem turmas específicas para pessoas gordas, para mulheres. É uma escola incrível que me ajudou a moldar isso, como me enxergar e a dialogar com o meu corpo de uma forma muito respeitosa. Acho que a gente sempre dialogou, mas era uma coisa bem abusiva. Agora consigo conversar com o meu corpo de uma forma bem mais respeitosa.

No seu Twitter tem uma thread sobre transformistas e drag queens famosas da história. O movimento LGBT+ deixa um pouco de lado a história das pessoas que vieram antes?

Demais, demais, demais, demais. Em um contexto geral as pessoas têm essa síndrome do esquecimento e na história LGBT também. Toda vez que vejo projetos que resgatam a história em algum segmento fico muito encantado porque acho muito importante esse resgate. Fico pensando se hoje já é difícil pautar algumas coisas como que foi isso nos anos 70, 80, sabe? Toda vez que vejo perfis de resgate da história LGBT, livro – compro muito livro também sobre isso, fico muito interessado.

Quando comecei a me montar em 2014, não tinha Uber no Brasil, e eu não podia pegar táxi porque era muito caro. Fico pensando se não tinha Uber aqui em 2014, imagina o que elas [as drag queens] não passavam em 1980? É uma ruptura muito grande. Adoro conversar com essas pessoas e saber como elas faziam e como tudo acontecia. Para mim foi incrível entrevistar a Dicesar, ela gravava a música dela, e levava para vender na porta das boates.

É importante a gente saber que muita gente pavimentou esse caminho, que deram a cara a tapa mesmo, que era uma época muito mais complicada e essa galera novinha tem que entender que muita gente veio antes, e talvez essas pessoas não sejam tão esclarecidas, em questões mais atuais, mas no momento que ela estava o que ela fez foi muito importante.

E quais são seus planos para 2021?

É muito difícil responder isso. No momento é me manter viva mas, passando para um outro contexto, acho que estou organizando essa minha cabeça de comunicação, esses projetos que estão tomando uma forma mais profissional na minha vida. Agora entendo que minha profissão é podcaster. É muito engraçado falar isso porque nunca na minha vida imaginei que essa seria a minha profissão e é isso que paga meu aluguel, que paga a minha vida. Agora eu foco nesse trabalho e tento crescer para que ele tome outras formas, outros lugares.

Vou tentar me manter vivo e respeitando quem eu amo e é isso. Esse ano não coloquei nenhum objetivo grande, nem nada, só quero seguir fazendo o que eu faço e esperar a vacina no meu braço.

Confira um dos vídeos da Duda no Youtube:

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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