Por Daniele Gross, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
Originalmente publicado em 1982-1983, mas recebendo destaque apenas em 1988, “Pode o Subalterno Falar?”, da crítica e teórica indiana Gayatri Spivak, traz provocações sobre o quanto cidadãos pertencentes a grupos de subalternidade tem (ou não) um lugar de fala.
Assim, nessa problematização sobre nossas enunciações — enquanto seres capacitados a produzir nossos próprios discursos, de exteriorizar nossas vontades, desejos e pensamentos —, Spivak destaca o quanto os que são enquadrados nesses grupos são efetivamente impossibilitados da fala. Não a fala física, obviamente, mas, para a autora indiana, a representação se dá por procuração ou por retrato, e em nenhuma dessas situações esses grupos (subalternos ou marginalizados) conseguem elaborar um retrato de si. Dessa forma, ao estarem representados por outros, não detêm nem o poder nem os meios de representar.
Ou como bem explica a pesquisadora Sandra Regina de Goulart Almeida, no prefácio do livro aqui indicado, o processo de fala se caracteriza por uma posição discursiva, uma transação entre falante e ouvinte. Assim, “esse espaço dialógico de interação não se concretiza jamais para o sujeito subalterno que, desinvestido de qualquer forma de agenciamento, de fato, não pode falar”. (SPIVAK, 2021: 15)
Em um outro texto, “Quem Reivindica Alteridade?” (1994), publicado na revista Tendências e Impasses, a autora indiana debate o quanto a construção da história – bem como sua reelaboração – também é extremamente importante, visto ser ela determinante para a constituição das representações.
“Como as narrativas históricas são construídas? […] A história não pode voltar atrás ou ser apagada com base na nostalgia. Refazer a história envolve uma negociação com as estruturas que produziram o indivíduo como agente da história […]. Refazer a história é uma persistente crítica, sem glamour nenhum, eliminando oposições binárias e continuidades que emergem continuamente no suposto relato do real. (SPIVAK, 1997: 187; 199; 205)
Assim sendo, o debate sobre representação recai sobre a performance: representar é (re)construir uma imagem, uma percepção sobre algo ou alguém. Positiva ou negativamente, bem ou mal-intencionado, não importa. Quando pensamos nas construções discursivas, quando buscamos pelas representações enunciadas, não nos preocupamos com intenções, mas com o que efetivamente foi concretizado.
Vivemos em sociedades mergulhadas em veículos de comunicação — dos mais tradicionais às já pulverizadas redes sociais —, e todes somos direta ou indiretamente influenciades por esses veículos.
E bem sabemos o quanto os grupos hegemônicos, ainda que numericamente minoritários, detêm grande poder de fala e representação. E se, o texto de Spivak não trabalha a internet, sabemos o quanto a rede aumentou em muitos decibéis o poder de fala do subalterno — provocação também trazida por Spivak em seu “Pode o Subalterno Falar?”, artigo que completa 40 anos de idade, mas que ainda hoje se faz
pertinente. Vale a leitura!
E se o tema te interessou, a Biblioteca Comunitária Caio Fernando Abreu tem em seu acervo muitos livros que abordam o assunto!
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Referências:
ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. Prefácio – Apresentando Spivak. In: SPIVAK, Gayatri
Chakravorty. Pode O Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2021, 5ª
reimpressão.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode O Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2021, 5ª reimpressão.
SPIVAK, Gayatri. Quem Reivindica Alteridade? In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de
(org.). Tendências e Impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994, p. 187-205.