Com mais de 70 estudantes em cursinho vestibular, Transpassando nasce em meio acadêmico para combater preconceitos
Por Antonio Filho, do Mondubim, Fortaleza
ulher trans negra, a estudante de geografia Dandara Silva, 22, tem em sua história um impulso na luta pela inclusão da população trans e travesti no ambiente universitário. “No país onde as pessoas trans e travestis são relegadas à marginalidade, é muito difícil você ver essa população cursando uma faculdade, um ensino superior. A educação é o que transforma. Não há outro caminho, não há outra possibilidade.”, diz a jovem.
Estudante do 8º semestre do curso de Licenciatura em Geografia na Uece (Universidade Estadual do Ceará), Dandara é moradora do bairro Montese, na periferia de Fortaleza, capital cearense, e faz parte do coletivo Transpassando, que tem como objetivo o combate à transfobia e a inclusão da comunidade trans no ensino superior.
Para além do pré-vestibular, o coletivo criou outras ações e perspectivas, expandiu e tem outras iniciativas, como o Projeto Surdez e Gênero, o Projeto Gestão Administrativa e Produção Cultural e o Cinetrans.
Moradora do bairro Antônio Bezerra, periferia de Fortaleza, a cozinheira Ana Flávia Sampaio, 26, conheceu o Transpassando por meio de uma indicação. “A sensação que tive foi que estaria em um local com pessoas assim como eu e, dessa forma, poderia me sentir mais integrada”, conta.
Entrar na universidade está na lista dos objetivos de Ana, que pretende se formar em gastronomia, área que tem afinidade por conta do seu trabalho atual, ou medicina, sua outra opção acadêmica.
Ana observa lacunas de inclusão na educação não só nas universidades, mas desde o ensino básico.
“Muitas pessoas trans são excluídas, do fundamental ao médio, em decorrência do preconceito, do não respeito às nossas identidades, ao nosso nome social e por aí vai. Isso faz com que haja muita evasão escolar”, reflete Ana
Mesmo com as adversidades, a jovem não desanima. Para ela, a educação permite enxergar o mundo com outros olhares, a compreender o novo. “Desejo que a gente possa ter uma sociedade para todos, em todos os sentidos”, diz Ana.
O histórico de desafios também fez parte da trajetória de Dandara. Filha de empregada doméstica, Dandara nasceu em Quixeramobim, sertão cearense, mudou-se para Fortaleza em 2010, com a mãe e a irmã, em busca de oportunidades. Ela é a segunda da sua família a ingressar no ensino superior e tem consciência das dificuldades para a população trans concluir a educação básica e, principalmente, acessar uma universidade.
Segundo pesquisa da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), divulgada em 2020, 70% da população trans não concluiu o ensino médio e somente 0,02% ingressou no ensino superior.
“Olhem para os cursos de vocês e vejam quantos professores e professoras trans e travestis têm? Olhem para a sua graduação. Quantos alunos trans e travestis vocês tem ao seu lado com você caminhando? Quantos conseguiram se formar?”, reflete.
Para a universitária, o cenário permite observar não apenas o impedimento de acesso, mas também a evasão e a carência de iniciativas que contribuam para avanços positivos. “As universidades têm um papel, uma responsabilidade, já que elas se propõem a essa perspectiva de sociedade e de integração. Acho que ainda falta muito”, afirma Dandara.
Saiba mais
O cursinho pré-vestibular do Transpassando é gratuito e recebe não só pessoas trans e travestis, mas também outros estudantes que façam parte da comunidade LGBTQIA+, periféricos e/ou marginalizados. As aulas acontecem na Avenida Luciano Carneiro, 345. Para mais informações, acesse o instagram do coletivo: @transpassando
Acesse o site da Agência Mural.
Foto de capa: Antonio Filho/ Agência Mural