O pacote de absorvente menstrual está longe de ser a coisa mais cara em uma lista com itens de necessidade básica, mas ainda assim, é inacessível para muitas pessoas que menstruam. Para algumas, o absorvente menstrual é um artigo de luxo.
Um pacote com trinta unidades não sai por menos do que doze reais e, dependendo da pessoa, pode não durar para um único ciclo menstrual. Se uma pessoa começa a menstruar com 14 anos de idade e para na faixa dos 50, a conta fica muito alta.
O estudo “Livre para Menstruar”, uma iniciativa do movimento Girl UP Brasil, mostra que uma pessoa que menstrua pode gastar de 3 a 8 mil reais durante a vida só com absorventes. Em um país onde a renda anual de 5% da fatia mais pobre da população não passa de 1.920 reais (dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) faz com que pessoas que se encontram nessa camada social precisem trabalhar por pelo menos quatro anos da sua vida apenas para manter sua higiene pessoal. Sabemos que isso não é realista porque existem outras urgências como moradia e alimentação que não são deixadas de lado para priorizar um item de higiene básica.
Em 2014, a Organização das Nações Unidas reconheceu como saúde pública o acesso a absorventes e itens de higiene para pessoas que menstruam. No Brasil, ainda não existe um levantamento oficial sobre isso, mas uma pesquisa realizada de forma remota em 2018 pela marca de absorventes Sempre Livre, com 9062 pessoas que menstruam, revelou que 22% das entrevistadas entre 12 e 14 anos não têm acesso a produtos confiáveis de higiene menstrual por não terem dinheiro ou porque esses itens de higiene não são vendidos na região em que moram. Já entre jovens de 15 a 17 anos a porcentagem chega a 26%.
Quando falamos de identidades já marginalizadas pela sociedade (mulheres negras, lésbicas ou bissexuais, homens trans, pessoas não binárias e intersexo) o acesso a esses produtos para higiene pessoal é ainda pior.
Segundo dados recolhidos pelo Censo Demográfico do IBGE de 2010, cerca de 60 milhões de pessoas menstruam no Brasil – aproximadamente 30% da população – e, ainda assim, esse debate continua atrasado na esfera pública e nas áreas de debate da saúde.
A médica ginecologista que integra a equipe da Casa 1, Ana Thais Vargas, acredita que esse assunto ainda é pouco debatido porque o olhar dos médicos é muito voltado para as alterações do corpo: “A gente tem muito pouco espaço nas escolas de medicina para dar atenção aos problemas que não são do corpo mas que são sociais, financeiros e que impactam na saúde de outras formas. Eu realmente acredito que a gente tem uma academia muito voltada para o corpo e não para o ambiente em que as pessoas vivem e como isso as afeta”, declarou.
E em relação ao poder público, não é apenas o grande número de homens cis brancos na política que atrasa a urgência desse debate: “Acho que têm dois fatores que importam aí. Sim, o grande número de homens (…), mas eu acho que principalmente o elitismo de quem toma as decisões. Antes de serem homens são pessoas que tiveram condições na vida, mesmo as mulheres que estão lá. Elas não têm [essa dificuldade] no seu horizonte. Ainda é muito pouco comentado por esses dois pontos. Sim, a grande maioria são homens, mas principalmente porque é uma parte da elite da sociedade que toma essas decisões”.
Mesmo com um certo atraso e sem muitos holofotes, existem alguns projetos que buscam combater a pobreza menstrual, seja buscando a distribuição gratuita do item ou exigindo que seja retirada a taxação tributária do produto ou colocando este como essencial nas cestas básicas.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, desde outubro de 2019, o projeto batizado de “Menstruação Sem Tabu”, assinado pelas deputadas Beth Sahão (PT), Janaina Paschoal (PSL), Edna Macedo (Republicanos) e Leci Brandão (PCdoB), pretende distribuir absorventes em cestas básicas, escolas públicas, abrigos e presídios. Em Florianópolis, a vereadora Carla Ayres do PT, protocolou uma lei que propõe a criação de um programa de erradicação da pobreza menstrual.
No Rio de Janeiro, um projeto de lei apresentado por Leonel Brizola Neto (PSOL) propõe que os absorventes sejam distribuídos gratuitamente nas escolas. Essa decisão do vereador foi motivada pelo documentário ganhador do Oscar, “Absorvendo o Tabu”, que fala sobre como a chegada dos absorventes higiênicos de uma forma acessível impactou mulheres de uma comunidade rural na Índia. A proposta foi aprovada, no entanto, até o momento não foi implementada.
Já a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Lei 4968/19, apresentado pela deputada Marília Arraes do PT que pretende criar um programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para os estudantes de escola pública. A intenção é reduzir a abstenção das pessoas que menstruam em dias letivos. A proposta segue em análise.
Até o momento, nem o Ministério da Saúde, nem o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos estão desenvolvendo algum projeto ligado à pauta.
Ana Thais Vargas acredita que a falta de dados oficiais específicos é um empecilho para fomentar essa política pública e também alerta sobre outras carências de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema: “Como fazer essa estatística se nem dados sobre pessoas que sofrem pela falta de qualquer tipo de amparo não são computados, e ainda dentro desse recorte existirem outras carências que a gente nem faz ideia [porque] não é da nossa vivência?”, questiona.
Absorventes ainda não são considerados itens básicos de higiene e não são colocados na maioria das cestas básicas que são distribuídas por organizações governamentais e não-governamentais. Diante desse cenário, pessoas que menstruam usam, para substituir os absorventes, miolo de pão, sacola plástica, papelão e até pano de chão, podendo causar sérias infecções.
Se a pessoa tiver acesso ao sistema de saúde público, o único momento que ela terá acesso ao absorvente menstrual de maneira gratuita é se for uma pessoa recém-parida, de acordo com Ana Thais Vargas.
Pensando nessa dura realidade, a Casa 1 se uniu ao Projeto T.P.M.! – Transformando o Período Menstrual, para coletar absorventes higiênicos e distribuir nas cestas básicas da Casa 1. Serão colocados absorventes nas 560 cestas básicas que são doadas por mês pelo projeto para pessoas em vulnerabilidade social já cadastradas no nosso sistema. Embora a maioria dos estudos e iniciativas foquem em mulheres cisgêneras, salientamos aqui a necessidade de expandir esse debate para a experiência de homens trans, pessoas intersexo e não-binárias, que também podem menstruar.
Durante a pandemia o problema se agravou, mais pessoas estão socialmente e economicamente vulneráveis, e as poucas doações de absorvente que existiam para essas pessoas, sumiram.
E o auxílio para essa camada social não está incluída nos planos do governo: “As minorias não estão incluídas em nenhum pensamento do governo atual, inclusive o objetivo dele é exterminar minorias. A gente estava num crescente de inclusão de várias necessidades dentro da atenção básica e acho que agora a gente ainda não consegue calcular o retrocesso pelo qual estamos passando. Isso porque ainda estamos no meio dele. Não chegou no fim para a gente ver o que sobrou. Ainda estamos na passagem da onda. Eu não tenho a ilusão de que [pessoas que menstruam] serão incluídas tão cedo no sistema de saúde. [Esse amparo] ainda tem que partir da sociedade civil”, finaliza.