Por Izadora Xavier, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
Os maiores prazeres do trabalho como voluntária na biblioteca da Casa 1 estão entre dois convívios: um com a vizinhança da Bela Vista e o outro com o maravilhoso acervo, na sua maioria de livros não apenas interessantes como belos. Quando venho na Caio, o tesouro já está lá, curadoria feita, o invisível mais do que visível. A Caio é mais do que uma biblioteca: é a caverna de Ali Babado.
Num post anterior do blog, recomendamos títulos de ficção científica com representatividade LGBTQIA+. Naquela lista, ficou faltando um título do acervo da biblioteca, justamente. Mas não tem problema, porque o post de hoje também é uma lista, e nas nossas listas de leitura tem lugar pra todo mundo. Aqui vai então, finalmente escrita, a lista mental que cresce a cada visita que faço à biblioteca.
Como garimpadora de vozes silenciadas ou inviabilizadas, essa lista é composta sobretudo por autoras lésbicas, negras, a não ser por uma exceção feminista.
“A extinção das abelhas”, de Natalia Borges Polesso. Esse é o livro que poderia ter entrado na lista sobre ficção científica. O livro de Borges Polesso se passa num futuro que parece até próximo demais, às vezes muito assustadoramente presente, no sul do Brasil. A personagem principal não apenas é lésbica, mas foi criada por um casal de lésbicas, tem uma irmã lésbica, uma mãe que fugiu com o circo e se apaixona por uma mulher. Invisibilidade realmente não há e essa superabundância de personagens lésbicos não é, no entanto, idílica. Ela é um pouco utópica no meio da distopia. Quem sempre viveu ameaçada de extinção deveria já ter as técnicas para sobreviver, não é? Esse parece ser o drama maior das últimas sapatões.
“Na casa dos Sonhos”, de Carmen Maria Machado. Apesar do nome com consonância brasileira e que faz pensar em livro pra criança, a autora é estadunidense e escreve umas histórias bem adultas. Ela lançou esse livro há um ou dois anos e fez muito barulho por tratar com sensibilidade da questão das violências intracomunitárias — da violência entre lésbicas, mais especificamente. Desde então, ela entrou na minha lista por causa dos comentários positivos sobre sua capacidade em descrever relacionamentos abusivos.
“Úrsula”, de Maria Firmina dos Reis. Alguns livros se julgam pela capa. Esse da Maria Firmina entrou na minha lista porque é um livro bonito — eu disse que o acervo tem belos objetos — dessa coleção recente da Penguin. Eu já tinha tirado o livro da estante porque achei bonito. Aí li a contracapa e vi que é um dos primeiros romances publicados por uma mulher no Brasil e seria uma crítica acerca das relações raciais no Brasil recém-republicano do ponto de vista de uma família negra. Como não ler esse livro? Soa como Machado de Assis se Machado de Assis fosse uma mulher e tivesse tomado partido de escrever da perspectiva das pessoas negras no Brasil.
“Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. Antes de estar na minha lista, esse livro esteve numa lista de leitura mais célebre: a do ex-presidente Lula. Esse livro está na minha lista, muito honestamente, por recomendação dele. Teria sido a melhor leitura que ele fez quando estava na prisão e revolucionado sua visão sobre a questão racial no Brasil. A personagem principal é uma espécie de Kunta Kinte feminino e brasileiro (falo do best-seller americano de Alex Haley, “Raízes Negras”). O livro conta o percurso dessa mulher, escravizada na África e trazida para o Brasil, história que se prolonga por gerações.
“Parem de nos matar”, de Cidinha da Silva. Falando em letramento racial, esse aqui eu acho que não tenho que explicar porque ele estaria na minha lista. Tenho mais que pedir desculpas de ele ainda não estar na minha lista de lidos. Mulher, negra, lésbica, a autora de “Exu em Nova Iorque” reúne aqui colunas de opinião da autora que saíram nos jornais.
“A Pediatra”, de Andrea del Fuego. Estamos na era da anti-heroína. Que sorte! Um pé no saco essas mulheres perfeitas com quem crescemos na ficção – ou mulheres sem sal, mais precisamente. Uma grande parte das mulheres autoras que descrevem anti-heroínas, no entanto, tem essa mesma capacidade da Andrea del Fuego de desmistificar, ser iconoclasta e cínica (quem realmente acha que médicos são imagens do altruísmo?) sem ter uma voz que despreza a tudo e todos ou um niilismo cansativo, como é o caso de tantos autores de anti-heróis….
Paro a lista por aqui, não porque esses seis livros sejam tudo que eu quero ler no acervo da Casa 1. Paro a lista apenas para não me alongar demais. Lembrando que o acervo em si não para de crescer. Enquanto não elaboro mais recomendações, venha visitar a gente e preparar sua própria lista!