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Violência doméstica compromete diagnóstico do câncer de mama

Não há evidências que sustentem uma relação direta entre a violência contra a mulher e o desenvolvimento do câncer de mama. Contudo, o estresse provocado por agressões físicas e psicológicas no ambiente doméstico tem efeitos danosos sobre o diagnóstico e a evolução da doença.

De acordo com a oncologista Cristiana Tavares, a violência reiterada do parceiro contra a mulher tem impactos clínicos e sociais que prejudicam a identificação do câncer de mama, seu tratamento e a reinserção da paciente na sociedade. Ela participou do painel Câncer de mama e violência contra mulheres, do 8º Congresso digital Todos Juntos Contra o Câncer, ocorrido entre os dias 20 e 24 de setembro.

Em sua pesquisa de mestrado, Tavares investigou a correlação entre a violência doméstica e o câncer de mama. Sua hipótese original era que, por atingir um órgão associado à feminilidade e alterar padrões estéticos, sexuais e familiares, a doença poderia aumentar o nível de violência sofrido pelas mulheres.

Os resultados do estudo com 200 pacientes mostraram que, por um lado, o diagnóstico positivo deixou as mulheres mais vulneráveis: 55% daquelas que desempenhavam uma atividade remunerada tiveram que deixar de trabalhar em função do tratamento e das respectivas sequelas. Dessa maneira, ficaram mais dependentes de seus maridos e em piores condições para deixar uma relação abusiva.

Por outro lado, a pesquisa revelou que a violência já era e continuou sendo uma realidade para 42% das pacientes. Para a maioria delas, 56%, o diagnóstico não alterou a relação com o parceiro e só 6% disseram que a mudança foi para pior. Segundo Tavares, portanto, o câncer de mama não parece ser um causador de violência doméstica. Faria mais sentido olhar para o problema no sentido inverso e entender como a violência prejudica o diagnóstico e a evolução da doença.

Ao relatar sua experiência pessoal, a paciente Patrícia Dias destacou justamente como as agressões físicas e, sobretudo, emocionais que sofria de seu marido atrasaram a identificação e o tratamento de seu câncer de mama.

Quando sua filha deixou de mamar em sua mama direita, em 2013, Dias fez um exame que apontou para a necessidade de maior investigação. “Mas eu deixei o resultado na gaveta porque eu me sentia culpada pela violência que sofria, acreditava na palavra do meu agressor e preferia morrer para não continuar sofrendo.”

Foi apenas em 2017, quando já sentia caroços embaixo do braço e muita dor, que ela decidiu interromper o ciclo de violência e procurar um tratamento. “Não posso dizer que meu ex-companheiro causou meu câncer. Mas posso dizer, com certeza, que adiei demais o diagnóstico por conta da agressão. Eu tenho muita sorte de estar aqui hoje, pois já estava com metástase”, disse.

Como forma de elevar a autoestima e compartilhar sua experiência, ela criou uma página na internet em que discute o tema. Seu objetivo é também evitar que mulheres que passam por uma situação semelhante não tenham com quem falar a respeito e tampouco se vejam sozinhas no momento de buscar informações.

Com efeito, para a mastologista Juliana Francisco, as consequências emocionais do câncer de mama exigem um apoio tanto do sistema de saúde quanto da rede pessoal da paciente. “A mama é o símbolo da feminilidade e, por mais brandos que sejam os efeitos do tratamento, a mulher imagina que vai perder sua identidade.”

Diante de qualquer indício de barreira familiar ou de violência doméstica, o suporte se torna ainda mais fundamental para que a paciente “tenha força para levantar todos os dias e buscar seu tratamento. Uma mulher bem informada e bem amparada tem condições muito melhores de enfrentar a doença”, afirmou.

Segundo Tavares, nenhum estudo mostrou, de maneira robusta, o impacto do fator psicológico sobre o início do câncer. Descobertas ainda incipientes, porém, já indicariam como a relação entre os sistemas nervoso, imune e endócrino pode aumentar o estresse a agravar a progressão da doença.

De qualquer forma, ela defende o aprofundamento da pesquisa acerca dos efeitos emocionais e da violência doméstica sobre o desenvolvimento de diferentes tipos de câncer -direta ou indiretamente. Afinal, disse Tavares, “mulheres vítimas de violência estão mais sujeitas a fatores de risco como depressão, consumo de álcool, tabaco e drogas, alteração do padrão do sono e maus hábitos alimentares”.

Como notou a psicóloga Mariana Luz, quando a mulher está em uma condição de violência, é muito difícil para ela cuidar das dimensões física e emocional de sua vida. “O agressor nos proíbe, faz chantagens e impede que tenhamos acesso a uma sistema de cuidados mínimos.”

O primeiro passo para quebrar o ciclo de violência, segundo ela, consiste em falar a respeito. Um esforço imprescindível e que se juntaria à necessidade de “se cuidar, recorrer a uma rede de apoio e fazer exames de rotina. A violência e o medo trazido pela doença tiram de nós algo essencial: o projeto de felicidade pessoal”, disse.

A gerente de causas do Instituto Avon Regina Célia Barbosa, por sua vez, afirmou que o câncer e a violência doméstica envolvem dor e superação. Mas se dirigiu às mulheres que sofrem de um ou de ambos para afirmar que elas não estão sozinhas. “Diversos projetos estão sendo desenvolvidos para articular as duas questões e promover o acesso à justiça e aos direitos das mulheres.”

8º Congresso TJCC (Todos Juntos Contra o Câncer)

Quando de 20 e 24 de setembro

Onde assistir no site congresso.tjcc.com.br

SÃO PAULO, SP

Foto de capa: Fotos Públicas

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