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De ‘Bob Esponja’ a ‘Scooby Doo’, LGBTs estão saindo do armário em desenhos na TV

Velma, de “Scooby-Doo”, e Betty, de “Rugrats: Os Anjinhos”, são lésbicas. LeFou, de “A Bela e a Fera”, é gay. Bob Esponja é assexual e a personagem-título de “A Lenda de Korra”, bissexual. Já Orochimaru, de “Naruto”, tem gênero fluido.

Durante a exibição original desses desenhos, seus personagens nunca foram oficializados como membros da comunidade LGBT. Mas bastou um pouco de tempo –dias para alguns, anos para outros– para que suas verdadeiras identidades viessem à tona.

Em meio ao atual apelo por maior representatividade na mídia, pegando carona ainda em estudos que mostram que a diversidade pode ser muito lucrativa, produtores e estúdios estão tirando alguns de seus personagens do armário. Na maioria dos casos, eles aproveitam desenhos que já geravam conexão com LGBTs e simplesmente reconhecem o que já era motivo de rumores, numa espécie de “rebranding”.

É o caso de Betty DeVille, a mãe dos gêmeos Phil e Lil em “Rugrats: Os Anjinhos”. O desenho foi exibido nos anos 1990, muito antes da onda colorida que invadiu as telas recentemente, mas à medida em que as crianças que formaram seu público foram crescendo, surgiram especulações sobre a personagem, que não seguia o padrão feminino das outras mamães da trama.

“A gente acabava se identificando com esses personagens porque não tinha outra coisa para a gente. Naquela época eles não eram criados com a finalidade de fazer LGBTs se identificarem. Eles estavam lá para dar graça à história”, diz Fernando Mendonça, dublador e criador da animação para adultos “Super Drags”.

Agora, três décadas depois, a produção da Nickelodeon ganhou uma nova versão no Paramount+, na qual Betty é oficialmente lésbica. Algo parecido aconteceu com Orochimaru, um dos vilões da franquia “Naruto”, com características que desafiam as barreiras de gênero. Dezesseis anos depois da primeira versão da série, na derivada “Boruto”, a personagem finalmente disse que pertence ao espectro LGBT.

“Você é a minha mãe ou o meu pai?”, perguntam. “Houve tempos em que fui homem, e tempos em que fui mulher. E também algo que não era deste mundo. Aparências não importam. A vontade de descobrir toda a verdade é a essência do meu ser”, responde.

Outros desenhos que nunca tiveram personagens coloridos e que, agora, ao serem relançados, aderiram à tendência, incluem “A Família Radical”, com um casal de pais gays, “She-Ra”, com suas princesas lésbicas, e “A Bela e a Fera”. O clássico de 1991 ignorava os pormenores da relação de Gaston e seu capanga LeFou, mas este passou a ter um crush no vilão musculoso e peludo no live-action de 2017.

O filme, aliás, faz parte de um punhado de obras deixadas pelo letrista Howard Ashman, morto por complicações de Aids em 1991, que vêm sendo reconhecidas pela própria Disney como acenos à comunidade LGBT. No recente documentário “Howard: Sons de um Gênio”, do Disney+, entrevistados lembram “Parte do Seu Mundo”, de “A Pequena Sereia”, e “Canção da Multidão”, de “A Bela e a Fera”, como músicas carregadas de insinuações das agruras de ser gay nos anos 1980 e 1990.

“Nós não gostamos do que não entendemos, na verdade isso nos assusta, e esse monstro é misterioso, no mínimo”, canta, nesse último, uma horda raivosa com tochas nas mãos no que seria uma referência à epidemia da Aids. No caso do filme submarino, a vilã Úrsula, inspirada na drag queen Divine, também é dissecada como uma espécie de ícone queer.

“Eu acho que pessoas LGBTQ sempre se enxergaram em alguns personagens, talvez porque alguns criadores tivessem essa intenção. Mas, por causa do lugar onde estávamos historicamente enquanto sociedade, esses personagens não podiam ser assumidos. Agora fizemos progresso suficiente para que isso ocorra”, diz Ryan White, produtor do documentário “Visible: Out on Television”, que explora a história dos LGBTs nas telinhas.

“Quando você não se vê refletido na mídia, você precisa ir em busca de si mesmo. Então com frequência crianças LGBTQ se relacionavam com personagens que não eram rotulados dessa forma, mas que tinham características com as quais era fácil de se identificar.”

Mesmo que nunca tenham sido tirados do armário, alguns personagens famosos do passado até hoje são vistos como ícones queer nas entrelinhas. É o caso de Shun, de “Os Cavaleiros do Zodíaco”, que usava rosa e precisou deitar colado a outro cavaleiro para que ele não morresse de frio num episódio. Ou de He-Man e seu corpo escultural, coberto por uma sunguinha, que empunhava sua espada com vigor e dizia na abertura de sua série que tinha “poderes secretos fabulosos”.

No cinema, o mesmo aconteceu com “Frozen: Uma Aventura Congelante”. A rainha Elsa, que canta sobre o sentimento de se libertar, foi tão associada à homossexualidade que chegou a ser atacada pela ministra Damares Alves, que disse que o suposto lesbianismo aparece no filme porque “o cão é muito bem articulado”.

Rumores também têm pipocado nas redes sociais por causa de “Luca”, nova animação da Pixar sobre o poder da amizade entre dois garotos –uma amizade bem passional para um mundo em que homens não são incentivados a demonstrar afeto uns pelos outros.

Para além de simples rumores e de relançamentos coloridos, alguns artistas têm adotado uma estratégia mais anárquica, driblando os estúdios e tirando suas crias do armário nas redes sociais ou em entrevistas. É o caso de Velma, de “Scooby-Doo! Mistério S/A”, de Korra, de “A Lenda de Korra”, e de Bob Esponja, declarado assexual por seu criador.

O comentário pode ser uma simples referência ao fato de esponjas marinhas se reproduzirem de forma assexuada, mas o relacionamento do protagonista com a estrela Patrick sempre levantou suspeitas, e a Nickelodeon parece ter embarcado na narrativa, já que tem usado o calça quadrada em posts sobre o Orgulho LGBT em suas redes sociais.

Isso leva a uma outra estratégia pró-diversidade, que pode ser considerada muito menos nobre. Em alguns casos, as empresas alimentam especulações na surdina, mas não são explícitas sobre o assunto em seus desenhos.

Neste Mês do Orgulho LGBT, o Cartoon Network, por exemplo, lançou uma linha especial de produtos. O personagem que mais aparece nas estampas é Ele, vilão que remete ao Diabo de “As Meninas Superpoderosas”, e que gera identificação com a comunidade LGBT por seu jeito irônico, os pulsos desmunhecados, o visual afeminado e, claro, por ser demonizado por aqueles à sua volta.

Essa incorporação do mal por parte de personagens sugestivamente LGBTs não é de hoje e está presente em praticamente todos os vilões da Disney dos anos 1990, como Scar e Jafar, com seus gestos e expressões delicados.

Muito disso parece ter ficado no passado e, hoje, esforços legítimos têm dado mais cor à programação infantil. Fernando Mendonça, o dublador, e seu namorado recentemente emprestaram suas vozes para “Segredos Mágicos”, o primeiro curta da Pixar com protagonistas gays. Séries novas, como “Gravity Falls”, “The Loud House” e “Steven Universe”, também engrossam o movimento pela diversidade.

“Depois de décadas de retrocessos, censura e códigos, nos últimos cinco anos a GLAAD tem ficado encorajada pelos avanços de Hollywood em relação à representatividade na programação para crianças e famílias”, avalia Jeremy Blacklow, diretor de entretenimento da organização que monitora a diversidade na mídia. “A importância de ensinar às crianças sobre aceitação desde cedo não pode ser subestimada.”

Mendonça concorda. “A gente tem que mostrar para essas pessoinhas que tudo bem elas serem elas mesmas”, diz. “Quem é LGBT nasce assim. Ninguém vai se tornar gay por causa de um desenho. Eu assisti, a vida inteira, a histórias de príncipes e princesas e nem por isso eu fiquei hétero.”

SÃO PAULO, SP

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