“Bicha gorda, bicha feia, bicha sem graça”. João, 26, afirma que ouvia variações dessa frase diariamente de um dos gerentes da rede de lanchonete em que trabalhava desde 2018. Segundo Márcio, as ofensas estavam no armário do supermercado onde era operador de caixa há cerca de cinco anos: “viado”, “gordo”. Mariana diz que ouvia da chefe com frequência que “não tinha mãe”, pois era homossexual.
Mariana, Márcio e João são nomes fictícios de trabalhadores reais que buscaram a Justiça do Trabalho em busca de indenização alegando assédio moral decorrente de episódios de homofobia de superiores e colegas de trabalho.
Segundo levantamento do Datalawyer para a Folha, nos últimos cinco anos, pelo menos 2.133 ações trabalhistas citavam homofobia em seus pedidos iniciais. O valor total dessas causas somou R$ 147,7 milhões. Em média, esses processos pediam R$ 142,7 mil, valor que inclui o total de verbas pedidas pelos trabalhadores, e não apenas a compensação por dano ou assédio moral.
Como acontece na maioria das ações trabalhistas, pode haver um conjunto de pedidos, como o pagamento de horas extras e adicionais, além da indenização.
Na ação apresentada por Márcio, por exemplo, ele pede a descaracterização de seu pedido de demissão, o pagamento das verbas trabalhistas da dispensa sem justa causa, adicional noturno e por acúmulo de função e o pagamento de R$ 30,9 mil como compensação por danos morais.
O advogado que o representa afirma, na ação, que ele “fora praticamente ‘forçado’ a rescindir seu contrato de trabalho” por não suportar “as atrocidades sofridas dentro da empresa”. A primeira audiência do processo apresentado por João foi marcada para agosto deste ano.
Caio Santos, diretor-executivo da Datalawyer, diz que o número de ações e o valor pedido nos processos não é alto, mas vem crescendo ano a ano. Em 2018, eram 93. Dois anos depois, já chegavam a 342 reclamações trabalhistas citando homofobia na petição inicial.
Neste ano, até março, 38 processos foram apresentados por trabalhadores. No mesmo período do ano passado, eram 32.
A Datalawyer levantou também o número de ações trabalhistas que citam, além de homofobia, os termos dispensa ou demissão e chegou a 1.720 processos, dos quais 849 ainda estão em andamento. Entre esses, o valor total cobrado de empregadores foi de R$ 124,6 milhões. Em média, elas cobravam R$ 149 mil.
No processo apresentado por Mariana, a indenização por danos morais pedida foi de R$ 15 mil. Ela era vendedora de roupas e foi demitida em janeiro deste ano. Ela afirma, no processo, ter desenvolvido transtorno de ansiedade e depressão e atribui o quadro aos assédios sofridos no ambiente de trabalho.
“Atitudes discriminatórias e preconceituosas não devem jamais prosperar, pois estaríamos diante de um retrocesso social incabível diante dos preceitos constitucionais vigentes”, diz o advogado no processo.
A ação também pede o pagamento de adicionais, horas extras e também compensação pelo acúmulo de funções. João pede indenização de R$ 10 mil, mais as horas extras e feriados e os adicionais por insalubridade e noturno.
Pesquisa de 2019 da Rede Nossa São Paulo aponta que 4 em 10 paulistanos diz já ter sofrido ou presenciado discriminação contra a população LGBTQI+. Por local, o ambiente de trabalho foi citado por 30% dos entrevistados.
Os processos iniciados pelos trabalhadores citados nessa reportagem foram apresentados há poucos meses. A Justiça ainda não decidiu se caberá ou não indenização pelos episódios relatados por eles.
Em outubro do ano passado, a 2ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou uma rede de supermercados a pagar R$ 40 mil a um encarregado que comprovou ter sido vítima de homofobia por colegas e chefes.
O trabalhador relatou, na ação apresentada em 2015, ter ouvido de um superior que precisava “aprender a ser homem”. Para a Justiça do Trabalho em primeira instância, houve “afronta à honra, à imagem e à integridade psicológica do trabalhador, o que lhe gerou constrangimento e sentimento de inferioridade”.
A condenação definiu uma indenização de R$ 8.000 por dano moral grave. Para os ministros da turma do TST, o valor não era proporcional às ofensas sofridas pelo trabalhador devido a sua orientação sexual e, por isso, aumentou o valor.