Na última terça-feira (18), o programa “No Limite” colocou em pauta uma discussão muito importante. A conversa das participantes Íris Stefanelli e Ariadna Arantes fez as pessoas se perguntarem se a prostituição é realmente uma escolha para mulheres trans.
Enquanto Ariadna, única mulher trans da edição e a primeira e única até o momento a participar do reality Big Brother Brasil, explicava que recorreu a prostituição porque tinha sido rejeitada no mercado de trabalho por ter “nome de homem e cara de mulher”, Íris a interrompeu e argumentou que o preconceito “estava na cabeça” de Ariadna e, assim como Íris, ela poderia ter recorrido a outras formas de trabalho, como passar roupa para terceiros e olhar crianças.
Com uma tranquilidade admirável, Ariadna decide encerrar a conversa “Você não pode falar de uma coisa que não é a sua realidade, amiga. Você é uma mulher cis, branca, loira dos olhos verdes”.
Symmy Larrat, presidenta da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), respondeu, em declaração para a Casa1, porque, diferentemente do argumento de Íris, a prostituição muitas vezes é o única espaço em que mulheres trans conseguem trabalhar para sobreviver.
“Ser uma pessoa transgênera no Brasil é viver com o estigma de que somos assim porque somos safadas, só pensamos em sexo e várias justificativas que tentam imputar a nós uma existência menor. Esse preconceito, esse estigma, faz com que grande parte da sociedade, que é uma sociedade moralizante, não saiba viver com essa realidade e isso provoca várias exclusões. A primeira acontece na família, violência psicológica, tortura, caso de tentativa de cura, quando não a expulsão. Essas exclusões reverberam num efeito cadeia de ausência da vivência no campo escolar. Se não tem educação, não tem qualificação profissional e então, para sobreviver, a maioria das pessoas trans femininas recorrem a prostituição e ao mercado sexual com o foco em sobreviver”, argumenta.
Amara Moira, escritora, doutora em crítica literária pela Unicamp e autora do livro “E se eu fosse puta”, complementa “ A prostituição precária foi o único espaço que sempre esteve de braços abertos para as travestis e, nisso, foi se tornando uma espécie de trincheira, reduto de resistência, numa guerra que a sociedade declarou contra nós. Sobrevivemos através dela por décadas, um século talvez, até começarmos a conseguir abrir brechas em outros cantos da sociedade e irmos nos fazendo presente em mais espaços. No entanto, ainda hoje, a prostituição segue como a principal fonte de renda para parte considerável da população travesti, seja por vivermos numa país que naturaliza que família nos violentem e expulsem de casa, seja pela aversão que o mercado formal de trabalho segue manifestando em relação a nos contratar (o fato de essa sociedade tratar como um absurdo a nossa presença em escolas e instituições de ensino só reforça a dificuldade que enfrentamos para nos capacitarmos e obtermos uma vaga no mercado formal). Difícil chamar de ‘escolha’, quando a opção é mendigar, passar fome, ou viver de favores. Que família tradicional brasileira contrataria uma travesti como empregada doméstica, por exemplo?”.
Apesar de hoje falarmos da urgência em diversificar o ambiente corporativo e incorporar pessoas trans e outros corpos dissidentes nesses espaços, essa mudança ainda é muito lenta. Poucas empresas querem, e poucas empresas se dispõem a realizar as mudanças necessárias para acolher essas pessoas.
“Eu mesma vivi a prostituição com um diploma no bolso. Eu tive o privilégio de estar em uma universidade, eu tinha um diploma e cheguei ali [na prostituição] com quase 30 anos e aquela foi a única alternativa que tive. Colocar naquelas pessoas a culpabilização, falando que elas procuraram um caminho mais fácil? Não tem nada de fácil na prostituição. Não tem nada de agradável. Pelo menos para grande parte das mulheres trans. Você chega em um lugar para cadastro emergencial, como você comprova uma residência? Você vai em uma delegacia, qual a residência que você vai dar? Você tem vários impeditivos de acesso a sua cidadania e a seus direitos”, relata Symmy.
De acordo com os dados do ano de 2020 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das pessoas trans no Brasil precisam recorrer à prostituição para se sustentar.