Antes de ser regulamentado, procedimento foi usado para esterilização em massa de brasileiras
Por Nathalia Cariatti
Daqui a alguns meses, em março de 2023, passarão a valer as alterações legislativas que regulamentam a laqueadura de trompas no Brasil, a Lei de Planejamento Familiar. Mulheres a partir de 21 anos poderão fazer o procedimento, e sem necessidade de autorização do parceiro. Hoje a lei ainda exige essa autorização, e a idade mínima é de 25 anos. Mulheres mais jovens podem fazer a laqueadura, mas só se já tiverem filhos.
Aprovada em 1996, a lei de planejamento familiar guarda uma história amarga sobre a violação dos direitos reprodutivos das mulheres. Ela só foi criada por causa de uma CPI, que no começo dos anos 90 investigou a esterilização em massa de brasileiras, afetando principalmente mulheres pobres, negras e indígenas. Em 1986, 44% das mulheres em idade fértil tinham passado pela laqueadura como método de contracepção, de acordo com dados do IBGE. Era mais comum a cirurgia do que o uso de pílula anticoncepcional.
A falta de métodos contraceptivos, ou mesmo de mera informação sobre eles, acabava empurrando para laqueadura as mulheres que queriam evitar a gravidez. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) apontou também que tinham empresas que pediam atestado para comprovar a laqueadura antes de contratar ou manter mulheres empregadas. Ou seja, ainda que mulheres se submetessem a laqueadura voluntariamente, não dava para falar que a cirurgia era uma escolha.
Por ser um procedimento cirúrgico de difícil reversão, a laqueadura é considerada como o encerramento da fertilidade da mulher. Mas, muitas das que passaram por ela até os anos 90, não sabiam que se tratava de um procedimento definitivo, e se arrependiam quando, anos depois, tentavam engravidar novamente e descobriram que não era mais possível. Havia também o caso de mulheres esterilizadas no parto sem seu consentimento.
Mulheres pobres e crescimento das cesáreas
A CPI apontou ainda que o crescimento da laqueadura no Brasil era consequência da intervenção norte-americana. Entidades como a Sociedade Civil Bem-Estar Familiar (BEMFAM) e o Centro de Pesquisa e Atenção Integrada à Mulher e a Criança (CPAIMC) se espalharam pelos estados brasileiros oferecendo a laqueadura. Eram financiadas principalmente por organizações internacionais como Planned Parenthood, Population Council e Pathfinder, entre outras.
Mulheres mais pobres faziam o procedimento sem custos. Em estados como Maranhão e Goiás a laqueadura como método contraceptivo alcançou mais de 70% das mulheres em idade fértil na década de 80. Ela também era feita em hospitais públicos junto com a cesárea, com médicos sendo pagos por fora, e, desta forma, a oferta do procedimento casado com o parto contribuiu para o crescimento da cesariana no Brasil, que chegou a ser o país que mais realizava cesáreas no mundo.
Embora regulada pela Lei em 1996, a laqueadura irregular não deixou de acontecer no Brasil, e mulheres ainda passam pelo procedimento sem dar consentimento. Por outro lado, mulheres que desejam aderir ao método não conseguem acessar pelo SUS, chegando ao ponto de entrar na justiça para conseguir o procedimento.
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