Cássio Kelm, 35, diretor de “Perto de Você”, fará a estreia internacional no IDFA – Festival internacional de Documentários de Amsterdã, em novembro.
O filme gravado em Ponta Grossa, PR, se passa no início da pandemia, quando o cineasta, que é transmasculino não-binário, esteve isolado com seu pai de 72 anos. Com o início da hormonização com testosterona em curso, mas ainda sem revelar a decisão para seu pai, Cássio se divide entre o medo de dizer ao seu pai “sou trans”, e o medo do risco que seu pai idoso corria com o recém descoberto vírus. “Naqueles dias, ainda não se sabia nada sobre o vírus, então havia aquela incerteza sobre como poderíamos nos contagiar. Eu não queria que meu pai saísse para nada. Tinha muito medo que ele morresse. Ao mesmo tempo estava naquela situação em que eu tinha as minhas demandas emocionais que tinha medo de compartilhar. Estávamos presos em um pequeno apartamento. Se ele reagisse mal, o que eu poderia fazer?”, afirma o diretor.
Somado a isso, o turbilhão de notícias sobre morte piorava de peso com as notícias que vinham do governo. “Meu corpo trans é diretamente afetado pelo conservadorismo fascista que tem como expoente, hoje, o Bolsonaro, então o que vivi foi uma sobreposição de todas essas tensões”.
Apesar de todos esses conflitos, o documentário autobiográfico conta de maneira cotidiana esse dia-a-dia, onde as coisas se revelam mais pelo o que não é dito, pelas sutilezas do cotidiano. “No final das contas é a história de um filho que quer estar perto de seu pai. A maioria das histórias sobre pessoas trans se foca nas disforias sobre o corpo, e poucas histórias se focam nas questões cotidianas, familiares. E isso acontece porque infelizmente ainda há poucos realizadores trans no cinema”.
O autor chama a atenção sobre a questão da invisibilidade transmasculina. “Quando se fala ‘trans’, automaticamente as pessoas fazem uma imagem na cabeça de mulheres trans ou travestis. Não é por culpa delas, mas sim pela invisibilização que nos é imposta. Eu espero que o sucesso desse filme encoraje outros cineastas trans, especialmente transmasculinos, a contarem suas histórias”.
O documentário de 32 minutos estreou no Brasil no Festival Internacional Olhar de Cinema. Também será exibido no Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade.
Cássio Kelm é um cineasta com 10 anos de carreira e passagem por diversos festivais. Administra a produtora Haver Filmes, estudou na EICTV em Cuba e já dirigiu 15 curtas-metragens, sendo o curta-metragem “Soy”, de 2017, premiado no próprio IDFA. Seu longa-metragem “Mães do Derick”, foi exibido no Festival de Torino, na Itália e recebeu Menção Especial no Mix Brasil.